segunda-feira, 15 de agosto de 2022

Risco de contratar um profissional inexperiente. Bibliografia básica.

     


    Atualmente, todos se dizem peritos em odontologia em São Paulo.

    Notei essa afirmação profissional ao navegar por páginas do Linkedin. No entanto, nenhum comprova ter produzido um parecer.

     

    Contratar um inexperiente coloca seu processo cível corre risco.

    São essenciais para um assistente técnico:


visão de responsabilidade civil na Odontologia.

capacidade de redação clara. 


    Indico como obras para desenvolver as duas demandas.


Abraço conciso.


André Amaral 

Comarca de Artur Nogueira - SP

 Processo Digital nº: 1000952-69.2021.8.26.0666

Classe – Assunto: Procedimento Comum Cível - Indenização por Dano Material

Requerente: xxxxxxx

Requerido:xxxxxx

Juiz(a) de Direito: Dr(a). PALOMA MOREIRA DE ASSIS CARVALHOVistos.


Ante a escusa da perita anteriormente nomeada, nomeio em subsituição o peritoANDRÉ EDUARDO AMARAL RIBEIRO (ANDREAMARALRIBEIRO@HOTMAIL.COM )nos termos da decisão de pp. 373/374.

Int.

Artur Nogueira, 09 de agosto de 2022.

domingo, 27 de março de 2022

Nosso trabalho científico publicado na Revista da Associação Médica Brasileira, março de 2022 - original em inglês, versão em português.

 

Condenações cíveis na área de saúde e sua relação com o  blanket consent em julgados de Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

 

RESUMO: Estudo de cinco acórdãos julgados em 2020 e 2021. Todos eles versavam sobre tratamentos de saúde (estéticos, preventivos ou curativos), nos quais observamos que: (i) em todos eles houve a determinação de produção de prova pericial; (ii) em todos eles, a prova pericial nada apontou no sentido de más práticas profissionais; (iii) em todos os casos houve condenação dos profissionais de saúde, embora a prova pericial tenha apontado a correição dos procedimentos; (iv) o fundamento para a condenação foi a falta de informação clara, prévia e completa ao paciente; (v) todos os casos indicaram expressamente o acórdão do STJ. 4ª Turma. REsp 1.540.580-DF, Rel. Min. Lázaro Guimarães (Desembargador Convocado do TRF 5ª Região), Rel. Acd. Min. Luís Felipe Salomão, julgado em 02/08/2018); (vi) o termo pesquisado é um estrangeirismo: blanket consent, não foi visto na parte decisória dos cinco julgados da corte paulista; (vii) poderíamos traduzir o termo por consentimento genérico, (viii) o termo ainda não se tornou comum na redação estrita de acódãos no TJ-SP, embora todos os julgados tenham seguido os julgados do STJ: REsp 1540580/DF -- 5. Haverá efetivo cumprimento do dever de informação quando os esclarecimentos se relacionarem especificamente ao caso do paciente, não se mostrando suficiente a informação genérica. Da mesma forma, para validar a informação prestada, não pode o consentimento do paciente ser genérico (blanket consent), necessitando ser claramente individualizado.

Unitermos: termo de consentimento, informação genérica, blanket consent.

 

Introdução:

As decisões por câmaras de segundo grau no Tribunal de Justiça vêm se balizando por um recurso especial julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, RECURSO ESPECIAL Nº 1.540.580 – DF.

Isso parece introduzir mais uma preocupação para os profissionais de saúde que se preocupam com o consentimento detalhado ao paciente. Uma vez que embora existente alguma forma de consentimento, os Magistrados podem considerá-lo nulo, por meio do decreto de ser um consentimento genérico, chamado também de blanket consent.

 

Objetivo: estudar processos nos quais se viu a decisão condenatória e verificar o que houve em comum entre os processos estudados. Em todos eles houve menção ao julgado do STJ. 4ª Turma. REsp 1.540.580-DF, Rel. Min. Lázaro Guimarães (Desembargador Convocado do TRF 5ª Região), Rel. Acd. Min. Luís Felipe Salomão, julgado em 02/08/2018)

 

Método: a pesquisa foi feita no item Jurisprudência, no site www.tjsp.jus.br , usado unicamente o termos blanket consent. Então, a ferramenta de pesquisa do Tribunal trouxe 17 processos julgados e transitados em julgado. A pesquisa foi realizada na segunda semana de novembro de 2021 pelos próprios autores. Os julgados deveriam ter  diretamente a indicação expressa do acórdão do STJ - REsp 1.540.580-DF. Essa indicação expressa foi requisito para o processo ser considerado e avaliado pelos autores.

 

Casos escolhidos em razão de quatro requisitos presentes:

 

Caso 1: autora fez exame de holter por 24 horas. No momento da retirada do aparelho, notou manchas na pele, que lhe causaram deboche de seus alunos porque é professora da rede pública. A perícia afastou imperícia no exame de holter. Indicação expressa do acórdão do STJ. 4ª Turma. REsp 1.540.580-DF, Rel. Min. Lázaro Guimarães (Desembargador Convocado do TRF 5ª Região), Rel. Acd. Min. Luís Felipe Salomão, julgado em 02/08/2018)

Decisão dos desembargadores se deu pela falha de informação no momento do pré-atendimento porque a clínica requerida entregou apenas um folheto informativo sobre o uso do aparelho. Tal folheto foi julgado inválido porque não demonstrou a aceitação da autora, por falta de assinatura.

Condenação em segundo grau: R$ 5.000,00 por danos morais.

Transcrição de trecho da decisão:

No caso concreto a requerida sequer refuta que não apresentou nos autos documento assinado que comprove o dever de informação, não houve prova de qualquer informação que deveria ser prestada à autora, seja sobre a possibilidade de formação de cicatrizes evidentes, surgimento de manchas na pele, descoloração ou pigmentação cutânea na área de fixação dos eletrodos, entre outras, ou seja, inequívoco o descumprimento do dever de informação. Apelação Cível nº 1014524-26.2019.8.26.0161 -Voto nº 12939.

 

Caso 2:  autora submetida à cirurgia para a exérese de uma tuba uterina. No entanto, durante a cirurgia, ambas as trompas uterinas foram removidas. No entanto, a segunda trompa era sã. Autora não consentiu previamente nenhuma intervenção na segunda trompa. O médico tem o dever inarredável de informar.

Testemunhas foram convergentes sobre a correição do procedimento cirúrgico. Indicação expressa do acórdão do STJ. 4ª Turma. REsp 1.540.580-DF, Rel. Min. Lázaro Guimarães (Desembargador Convocado do TRF 5ª Região), Rel. Acd. Min. Luís Felipe Salomão, julgado em 02/08/2018)

 

Condenação em segundo grau: R$ 10.000,00 por danos morais.

Transcrição de trecho da decisão:

 

O que se conclui, de todos os elementos coligidos, é que, apesar de correto, o procedimento de retirada da trompa saudável foi efetivado sem o prévio e imprescindível consentimento da demandante. No caso, a autora tinha pleno conhecimento de que seria retirada uma de suas trompas, em razão de gravidez ectópica previamente diagnosticada, porém, não sabia que também seria removida a outra, saudável, o que configura violação do dever de informação, um dos mais relevantes na relação médico-paciente. Apelação nº 1017092-69.2017.8.26.0004 -Voto nº 40041

 

Caso 3: Autora submetida a cirurgias plásticas nas pálpebras e nas mamas. Cicatrizes hipertróficas, assimetria das mamas. Embora o laudo pericial tenha apontado correição no procedimento cirúrgico, os julgadores entenderam que a autora não estava esclarecida dos riscos, perigos e desvantagens que os procedimentos poderiam causar. Duas cirurgias com tentativa de correção da estética das mamas, mas a autora faleceu por outras causas não relacionadas às consequências da cirurgia.

Indicação expressa do acórdão do STJ. 4ª Turma. REsp 1.540.580-DF, Rel. Min. Lázaro Guimarães (Desembargador Convocado do TRF 5ª Região), Rel. Acd. Min. Luís Felipe Salomão, julgado em 02/08/2018)

Condenação em segundo grau: R$ 25.000,00 por danos morais.

Transcrição de trecho da decisão:

 

Conforme se observa dos documentos médicos juntados aos autos, e conforme laudo de perícia médica, a autora, em 16.12.2013, visando à correção de sinais de expressão ao redor da boca e à correção em pálpebras inferiores e superiores, realizou o procedimento cirúrgico denominado “retidectomia” (fls. 43 e 221 registro de entrada; fls. 223/224 prontuário médico), além de ser submetida também à troca de próteses mamárias em 11.02.2014 (fls. 43). Incontroverso, portanto, que as intervenções a que fora submetida a autora tiveram única e exclusiva finalidade plástica visando à legítima expectativa de obter resultado embelezador e melhora da sua aparência, de modo que a obrigação assumida pelo cirurgião plástico réu se caracterizou como obrigação de resultado. Com efeito, de acordo com o laudo pericial produzido, a cirurgia facial de retidectomia a que fora submetida a autora não é isenta de riscos, assim como as complicações alegadas pela autora na cirurgia mamária são passíveis de ocorrência.

Logo, a falta de informação pelo médico ao paciente é considerada ilícito contratual, configurando culpa do profissional na modalidade de negligência (omissão no dever de informar), a ensejar de reparar os danos morais. Apelação Cível nº 0002255-87.2015.8.26.0653 -Voto nº 6955

 

 

Caso 4: Autor se submeteu a artroplastia para colocação de prótese total em joelho. Infecção pós-operatória que levou ao óbito do autor. A prova pericial concluiu que o diabetes e a idade avançada do autor foram fatores complicadores para a recuperação após a cirurgia, e em razão das patologias, motivaram a infecção grave. O autor faleceu. Embora com laudo pericial favorável aos médicos, os julgadores entenderam que houve falha no dever de prestar informações prévias. Tratamento da infecção inclusive com amputação parcial de membro.

Indicação expressa do acórdão do STJ. 4ª Turma. REsp 1.540.580-DF, Rel. Min. Lázaro Guimarães (Desembargador Convocado do TRF 5ª Região), Rel. Acd. Min. Luís Felipe Salomão, julgado em 02/08/2018)

 

 

Condenação em segundo grau: R$ 40.000,00 por danos morais.

Transcrição de trecho da decisão:

 

Em sequência, firmou “Termo de Consentimento Esclarecido para Procedimento Cirúrgico” (fls. 2417), redigido nos seguintes termos:

“(...) 2) Recebi todas as informações necessárias quanto aos riscos, benefícios, alternativas de tratamento, bem como fui informado sobre os riscos e benefícios de não ser tomada nenhuma atitude terapêutica diante da natureza da(s) enfermidade(s) diagnosticada(s).

3) Compreendo que durante os exames e/ou procedimentos: ____________________, para tentar curar, ou melhorar as supracitada(s) condição(ões), poderá(ão) ocorrer situação(ões) imprevisível(eis) ou fortuitas.

4) Estou ciente de que em procedimentos médicos invasivos, como o citado, podem ocorrer complicações gerais, como sangramento, infecção, problemas cardiovasculares e respiratórios e outros (...)”.

 

Entretanto, apesar das inúmeras terapias e tratamentos dispensados ao Sr. Alexandre, tais como desbridamento cirúrgico da infecção, retirada de prótese, curativo a vácuo, e “conduta extrema de amputação ao nível da coxa” no dia 22.02.2016 (fls. 1587/2199), permaneceu sob os cuidados da equipe da UTI, evoluiu com várias complicações, vindo aóbito no dia 13.03.2016, com “insuficiência de múltiplos órgãos, choque séptico, infecção de partes moles e insuficiência renal” (fls. 13).

Nota-se, portanto, pelos esclarecimentos prestados pelo perito e pelas respostas dadas aos quesitos, que a presença de comorbidades como a diabetes e debilidade imunológica, associada à idade avançada do paciente (83 anos) foram fatores que teriam prejudicado a evolução cirúrgica e motivaram o quadro infeccioso que acometeu o Sr. Alexandre.

Ora, se o nosocômio já tinha pleno conhecimento do histórico médico do paciente, inclusive tendo submetido à avaliação clínica pré-operatória (fls. 2454), tendo constatado na ocasião os mencionados riscos aqui citados pela AACD que aumentam a probabilidade de complicações, surge a dúvida se a cirurgia deveria ter sido realizada, conforme bem salientaram os autores.

Ademais, é obrigação de o médico esclarecer ao seu paciente tudo o que está relacionado à enfermidade e as chances de causar algum efeito não esperado. O diagnóstico, prognóstico, procedimentos, benefícios, reações adversas, entre outras informações pertinentes ao tratamento devem ser muito bem esclarecidas.

No caso, os esclarecimentos contidos no “Termo de Consentimento Esclarecido para Procedimento Cirúrgico” (fls. 2417) foram insuficientes, pois descreve complicações semelhantes às que ocorrem em outros procedimentos cirúrgicos como sangramento, infecção, problemas cardiovasculares e respiratórios, mas o paciente não foi informado da possibilidade de complicações mais graves, no caso específico do Sr. Alexandre, por ser ele portador de comorbidades, associada à idade avançada, do risco aumentado para infecção pós-operatória.

Para essa indenização, o valor equivalente a R$ 40.000,00 para cada um dos autores é bastante razoável para recompor os prejuízos sofridos pelos autores e a reprimir o ato, sem implicar enriquecimento a quem recebe. Apelação Cível nº 1045020-32.2016.8.26.0100 -Voto nº 7251

 

Caso 5: autora se submeteu a cirurgia no aparelho reprodutor feminino. Diagnóstico de adenomiose e colecistopatia calculosa, após as quais se indicou a cirurgia de histerectomia total abdominal. O laudo pericial concluiu que não houve falha na técnica cirúrgica.

Com isso, de fato a hipótese era de improcedência dos pedidos de indenização por dano material e moral baseados em suposta falha na realização do procedimento cirúrgico em si.

Indicação expressa do acórdão do STJ. 4ª Turma. REsp 1.540.580-DF, Rel. Min. Lázaro Guimarães (Desembargador Convocado do TRF 5ª Região), Rel. Acd. Min. Luís Felipe Salomão, julgado em 02/08/2018)

Condenação em segundo grau: R$ 15.000,00 por danos (material e moral).

 

Transcrição de trecho da decisão:

 

No entanto, a causa de pedir da ação não se limitou ao alegado defeito da técnica cirúrgica utilizada para tratamento da autora, mas também compreendeu suposta falha nas informações prestadas pela médica ré àquela. De fato, tratando-se de relação de consumo, o profissional prestador de serviço tem o dever de informar com exatidão o diagnóstico do paciente, bem como o procedimento realizado para o tratamento e riscos a ele relacionados (art. 6º, inciso III, CDC).

Assim, considerando-se a gravidade da conduta da médica ré e a extensão do dano experimentado pela demandante, tem-se como adequado o quantum indenizatório fixado em R$ 15.000,00 pelo magistrado de origem, valor que observa os princípios da proporcionalidade e razoabilidade na hipótese, não se justificando a majoração pretendida pela autora. Apelação Cível nº 1002545-82.2017.8.26.0405 -Voto nº 24402

 

Discussão:

Por experiência dos autores em encargos periciais, o consentimento informado prévio dado ao paciente muitas vezes não existe. Este seria o aspecto quantitativo: dois valores lógicos – ausentes ou presentes.

Já no aspecto qualitativo, o termo existe concretamente em forma escrita. No entanto, durante o julgamento, o termo de consentimento passa pela avaliação dos desembargadores para outros valores lógicos: genérico ou completo.

Nos cinco casos avaliados pelos autores, houve a produção de prova pericial favorável aos profissionais de saúde. Na maioria dos casos na área da saúde, a prova pericial é usada como única e suficiente para o julgamento do feito. Muito embora, a conclusão favorável da prova pericial, não houve absolvição das equipes de saúde. Isso chamou a atenção dos autores, que resolveram pesquisar essa suposta segurança. Ou seja, por consequência lógica: se a prova pericial fosse favorável, haveria a absolvição.

Houve a condenação cível nos cinco casos estudados. Em comum, distintas câmaras de julgamento citaram diretamente o REsp 1540580-DF julgado pelo Superior Tribunal de Justiça.

Como condições para a inclusão do julgado na pesquisa: (a) o termo de consentimento deveria estar presente e deveria ser escrito – então, descartados casos em que houve explicação vocal por parte dos profissionais de saúde; (b) a prova pericial deveria ser favorável às equipes de saúde; (c) deveria haver condenação cível das equipes de saúde; (d) o dispositivo REsp 1540580 deveria ser obrigatoriamente transcrito no acórdão.

Com os quatro requisitos cumpridos, o feito foi avaliado.

 

 

 

 

Conclusão.

Embora a prova pericial não tenha apontado falhas nos procedimentos cirúrgicos, houve condenação cível das equipes de saúde. A análise do dever da informação coube aos magistrados de 2ª Grau no TJ-SP, que aplicaram suas interpretações sobre o valor do conteúdo daquele que supostamente seria o termo de livre consentimento. Dessa interpretação, condenaram os profissionais de saúde, independentemente das conclusões do laudo pericial. Ou seja, a prova pericial não foi absoluta/única na decisão das câmaras de segundo grau, uma vez que nos cinco casos, as provas periciais apontaram correição dos procedimentos, o que não foi automático para a absolvição dos profissionais de saúde.

Os magistrados das câmaras cíveis do TJSP pautuaram pelo julgado do STJ, no qual se emprega o termo estrangeiro blanket consent. No entanto, o termo não é estritamente usado em língua inglesa no Tribunal Paulista.

 

 

Referências:

Bioética clínica: reflexões e discussões sobre casos selecionados. / Coordenação de Gabriel Oselka. São Paulo: Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. Centro de Bioética, 2008.

 

Inadequate record keeping by dental practitioners, LF Brown, School of Dentistry, The University of Queensland, Brisbane. Australian Dental Journal, 2015.

 

Recent research into healthcare professions regulation: a rapid evidence assessment; Julie Browne; Cardiff University, Cardiff Unit for Research and Evaluation in Medical andDental Education (CUREMeDE), Cardiff, Wales, 2021.

 

WhatsApp in Clinical Practice: A Literature Review; Maurice MARS and Richard E SCOTT

 Dept of TeleHealth, University of KwaZulu-Natal, South Africa, NT Consulting - Global e-Health Inc., Calgary, AB, Canada

 

Superior Tribunal de Justiça, <www.stj.jus.br>

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, <www.tjsp.jus.br>

 

 

 

 

 

 

 

RELATO DE CASO: A assistente técnica Juliana.

 

 

Não é raro trabalharmos em uma perícia na qual existe um assistente técnico calado até o fim da perícia. Ele fica apenas como um enfeite, sentado e assistindo o autor queixar-se, sem intervir, sem contestar, sem interromper.

E muitas vezes essa postura passiva é o que causa o desastre para aquele que contratou o “assistente calado”.

Vou exemplificar com um caso real, no qual uma paciente ajuizou uma ação cível contra uma clínica odontológica em razão de não ter recebido o tratamento com lentes de contato.

Fui nomeado como perito em um fórum regional de São Paulo, com o dever de apurar os pontos controvertidos fixados pelo Juízo:

Quesitos judiciais:

1. Quais foram os serviços contratados pela autora junto à ré? Especificá-los.

2. Dentre os serviços quais eram reparadores e quais estéticos?

3. Os serviços contratados e executados pela ré foram prestados dentro da

melhor técnica profissional?

4. O que é mockup e para que serve?

5. O outro profissional que atendeu a autora posteriormente à ré agiu de forma a prejudicar o resultado da prova pericial produzida nos autos da ação de produção antecipada de provas (laudo de f. 34/62) e em que medida?

Foi trabalhoso, mas consegui apurar todos os pontos controvertidos – dentro das limitações do perito.

O que ocorreu no momento da perícia?

Em um consultório em São Paulo, eu me sentei na mesa de escritório na frente de meu notebook, com duas cadeiras do outro lado da mesa: na primeira, a autora; na segunda, a assistente técnica da clínica requerida.

Preciso dizer que filmo todas as perícias. Isso em caso de alegações de parcialidade no momento da impugnação do laudo pericial.

Ambas estavam de frente para mim. Eu escolhi trabalhar dessa maneira. A maioria dos peritos gosta de sentar o paciente no equipo, com o assistente em pé ou sentado em outro mocho. Cada perito faz de seu jeito: alguns sentam em um mocho, outros ficam em pé. Eu gosto de trabalhar na mesa de escritório porque posso anotar a lápis os pontos do relato do paciente.

A autora chorava e contava seu caso, eu me mantive firme diante das lágrimas, pois nunca se sabe se o choro é natural ou se é uma tentativa de comover o perito. Ela explicou todos os detalhes: foram cerca de 18 meses de idas e vindas a tal clínica sem uma conclusão das lentes de contato da arcada superior, já contratadas e já pagas.

A análise do prontuário mostrava que esses muitos retornos de fato ocorreram e que houve sete repetições nas moldagens e provas de mock-ups na autora. Ela teria ficado exausta e com seus dentes superiores desgastados. Segundo ela, teria levado sua vida com os dentes com esmalte desgastado e teve seu cotidiano normal. Ou seja, as pessoas na rua viam que havia algo estranho em seus dentes.

Mas quero explicar outra coisa: a postura da assistente técnica da requerida. Ela permaneceu calada, não interveio em alguns pontos que me pareceram exageros da autora. A autora falou por cerca de quarenta minutos, muitas vezes fugindo do assunto e, nesses momentos, eu falava algo para voltarmos ao assunto.

Vamos chamar a assistente técnica de Juliana – nome fictício.

É bem difícil ouvir queixas de pacientes em perícias, em especial quando o paciente é prolixo e se afasta cada vez mais dos assuntos. No caso, eu sempre trabalho com os pontos controvertidos na tela do meu notebook e tento manter todos os presentes dentro desse tema.

O relato continuava. Vinte minutos. Eu olhava para Juliana e pensava “vamos, pergunte alguma coisa!” e nada. A autora começou a falar de sua filha e fugir ainda mais dos ocorridos durante o tratamento, mas Juliana seguia como espectadora. Aquilo começou a me irritar porque eu via muitas brechas na qual entendia que a tal assistente Juliana deveria se manifestar, deveria defender sua cliente. Mas a cara de paisagem de Juliana continuava.

A autora terminou seu relato. Foram quarenta longos minutos. Como de costume, gravei o áudio de tudo que foi dito para ouvir depois, quando estivesse redigindo meu laudo.

Provoquei Juliana: “Doutora, quer dizer alguma coisa? Quer perguntar alguma coisa para a autora?”. Sequer ela emitiu um som, apenas fez um não com a cabeça.

Pensei nas possibilidades para tal comportamento passivo da tal assistente: Juliana teria ela lido o processo? Seria esta a primeira perícia que Juliana teria participado na vida? Por que ela estaria lá? Juliana recebeu um pagamento para vir aqui?

Cheguei a pensar se ela não seria apenas uma amiga da parte requerida que estaria ali apenas para marcar presença.

Depois eu descobri que ela recebera pelo trabalho sim. Também pesquisei o nome de Juliana no Google: ela era especialista em Odontologia Legal, tinha até doutorado. Fiquei mais curioso. Ainda descobri que ela lecionava Odontologia Legal em uma faculdade.

Pensei: será que isso não é alguma pegadinha? Porque não poderia ser real tal comportamento de Juliana, uma total indiferença com a realidade, uma total passividade. A verdade é que alguém a contratou, pagou e Juliana prejudica seu cliente dessa forma? Achei um absurdo, uma traição.

E de fato foi uma traição.

A sentença saiu com condenação da clínica requerida em danos materiais, morais e estéticos. O pior cenário possível.

Mas o mais interessante vem agora. Juliana se aventurou a escrever um parecer com grande agressividade, insultando-me, reduzindo-me a zero, com frases agressivas na narrativa dela. No entanto, nada citou sobre as passagens do processo. Entendi, então, o que tinha ocorrido: Juliana não só não tinha lido o processo antes da perícia (dever de todo assistente técnico), mas também não lera o processo para escrever seu parecer contrário ao meu laudo pericial.

A situação era um total absurdo. Uma audácia sem tamanho.

Insultos desconexos, acusações, ideias soltas – tudo contra mim como pessoa. A lição que gostaria de deixar é essa: quando for escrever um parecer, escreva atacando o trabalho do perito. Nunca escreva atacando a pessoa do perito.

Tal regra foi observada de modo contrário pela assistente Juliana. Ela preferiu atacar a PESSOA DO PERITO. Não atacou o trabalho do perito.

Bem, respondi a todos os insultos, pedi uma multa judicial contra o comportamento de Juliana. A Juíza de Direito do caso era minha conhecida há muitos anos, já tinha me nomeado mais de trinta vezes para perícias na vara cível dela. Melhor assim, porque não correria o risco de que a Juíza acreditasse naquela avalanche de mentiras.

Em suma: o assistente técnico pode acabar com todo o trabalho feito pelos advogados. Um assistente passivo como Juliana te trai e leva seu dinheiro sem lhe dar nenhuma contraprestação. Escrevi no laudo acerca da passividade de Juliana, de seu silêncio, de sua indiferença.

Acho uma grande sacanagem esse tipo de comportamento. Mas esse caso não acabou bem para Juliana. Lembram que eu disse que filmava todas as perícias? Então, a advogada da requerida enviou um e-mail e me pediu para enviar o vídeo para ela. Compartilhei o arquivo de 2 GB pelo One Drive da Microsoft.

A advogada assistiu tudinho e me escreveu agradecendo. Soube que agora Juliana enfrenta uma ação cível promovida pelos clientes e ainda vai enfrentar uma ação ética no CROSP. Nada mais justo.

O que oriento aos advogados: contratem um assistente técnico e peçam para que ele grave o áudio da perícia ou até mesmo filme a perícia. O cliente tem o direito e o dever de avaliar o trabalho de seu assistente técnico.

Já o assistente tem o dever de lutar pelo seu cliente. Sempre há muito para dizer, sempre há o que impugnar. Posturas passivas como a de Juliana não podem mais ser aceitas.

Acho que ajudei um pouquinho os advogados.

quinta-feira, 7 de novembro de 2019

Processo 1024130-10.2018.8.26.0001 - Procedimento Comum Cível - Indenização por Dano Material - Celia Fernandes Barros - São Leopoldo Mandic

Processo 1024130-10.2018.8.26.0001 - Procedimento Comum Cível - Indenização por Dano Material - Celia Fernandes Barros - São Leopoldo Mandic - Unidade São Paulo - VISTOS em Saneador. Trata-se de AÇÃO INDENIZATÓRIA ajuizada por CELIA FERNANDES BARROS em face de SÃO LEOPOLDO MANDIC UNIDADE SÃO PAULO alegando, em suma, que, em dezembro de 2016, em razão de fratura de um dente, foi informada de que precisaria realizar um implante dentário. Em 16 de março de 2017, após ser chamada a fazer parte do programa de tratamento oferecido pela ré, esteve em consulta com o Dr. Carlos Eduardo Pompeo do Souto, o qual solicitou exames laboratoriais. Concluiu todos os exames em maio de 2017 e pagou a quantia de R$ 4.605,00 pelo tratamento. Ocorre que, quando retornou para fazer o procedimento, em 20 de julho de 2017, sem seu prévio conhecimento e sem que consentisse, foram extraídos oito dentes superiores, os quais estavam saudáveis. Foi colocada, então, uma prótese provisória e se submeteu a um acompanhamento. Ressalta, todavia, que a prótese provisória era desconfortável e esteticamente, não atendia às suas expectativas. Em 18 de janeiro de 2018, fora realizada nova cirurgia para abrir os implantes e colocar os conectores desses implantes. Em 25 de abril de 2018, finalmente foi colocada a prótese definitiva, contudo, passou a sentir muitas dores. Além disso, essa prótese feria toda a sua boca, língua e seus lábios. Esclarece, todavia, que não mais conseguiu contato com os profissionais da ré para sanar as irregularidades e, quando finalmente foi atendida, foi alegado que o problema era de sua prótese anterior, que não se encaixava à nova, mas nada foi resolvido. Precisou, então procurar auxílio de outro profissional e remover a prótese feita pela ré, o que evidencia o vício na prestação dos serviços odontológicos. Assevera que ficou sem os dentes superiores e impossibilitada de colocação de nova prótese, o que tem lhe causado inúmeros problemas físicos e emocionais, além do dano estético. Pretende, portanto, indenização por danos materiais, dano moral e ressarcimento dos valores pagos à ré. SOCIEDADE REGIONAL DE ENSINO E SAÚDE LTDA., mantenedora da FACULDADE SÃO LEOPOLDO MANDIC (FILIAL SÃO PAULO) apresentou contestação a fls. 123/138 alegando, em suma, que os serviços foram regularmente prestados, sendo necessária a extração dos dentes da autora que estavam comprometidos antes do cumprimento do protocolo de implante. Aduz que foram prestados todos os esclarecimentos à autora, a qual aceitou o tratamento e efetuou o pagamento do valor cobrado. Descreve o tratamento realizado, aduzindo que não houve irregularidades e que a autora falta com a verdade, pois esta negligenciou sua saúde bucal e abandonou o tratamento. Argumenta que a obrigação do cirurgião dentista é de meio e não de resultado. Sustenta, portanto, inexistirem danos material, moral ou estético, não havendo dever de indenizar. Pugna pela improcedência do pedido inicial. Réplica a fls. 185/189. Sobrevieram novas manifestações das partes e novos documentos. É o breve relatório. Passo ao saneamento do feito, de acordo com o artigo 357 do CPC/2015. Retifique-se o polo passivo, com as providências de praxe, para que passe a constar o nome da ré como SOCIEDADE REGIONAL DE ENSINO E SAÚDE LTDA., mantenedora da FACULDADE SÃO LEOPOLDO MANDIC (FILIAL SÃO PAULO). Não foram alegadas preliminares em contestação. Presentes os pressupostos processuais e as condições da ação, declaro o feito saneado. São pontos controvertidos: as falhas na prestação de serviços da ré; em caso positivo, eventuais sequelas físicas e psicológicas ocasionadas por tais falhas; a existência de dano material, dano estético e dano moral; em caso positivo, os respectivos valores das indenizações. Reconheço, desde já, a existência de uma relação de consumo, o que enseja a inversão do ônus da prova em favor do réu, de acordo com o artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, de modo que compete à ré comprovar a regularidade da prestação de seus serviços. Mostra-se imprescindível a realização de perícia odontológica no prontuário da autora e na própria requerente. Ante a inversão do ônus da prova, a ré deverá arcar com os honorários periciais. Nomeio perito ANDRÉ EDUARDO AMARAL RIBEIRO, que deverá ser intimado para estimar seus honorários no prazo de 10 dias. Faculto às partes, no prazo de 15 (quinze) dias úteis, apresentação de quesitos e indicação de assistentes técnicos (artigo 465, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil de 2015). Os assistentes técnicos, independente de intimação, poderão oferecer seus pareceres no prazo comum de 15 (dias) dias, após a apresentação do laudo, oportunidade em que as partes também deverão se manifestar (artigo 477, parágrafo 1º, do CPC/2015). Fica deferida, desde já, a produção de prova oral, cuja necessidade será analisada após a perícia. - ADV: SUE ELLEN MARTINS LINS SOUZA (OAB 336019/SP), ANDRÉ LAUBENSTEIN PEREIRA (OAB 201334/SP)

domingo, 13 de outubro de 2019

Nomeação na 2ª Vara Cível do Butantã

Processo 1000238-63.2019.8.26.0704 - Tutela Cautelar Antecedente - Liminar - Dilma Nilza Jardim - Ana Cláudia de Souza - - Clínica Saúde em Sorriso - Vistos. Diante da certidão retro, nomeio em substituição o perito André Eduardo Amaral Ribeiro . Intime-o para manifestar sua concordância com a nomeação, ciente de que a parte autora é beneficiária da gratuidade de justiça, e se o caso iniciar os estudos com apresentação do laudo em 60 dias. Intime-se. - ADV: CLAUDIO WEINSCHENKER (OAB 151684/SP), CRISTIANO ZECCHETO SAEZ RAMIREZ (OAB 188439/SP), GUILHERME GOMES AFFONSO (OAB 376656/SP), LAIS JARDIM MUNIZ (OAB 320554/SP)

Responsabilidade Civil na Área da Saúde, São Paulo: Editora Saraiva, 2007. - entendimento do trabalho odontológico


Sobre o tema, Regina Beatriz Tavares da Silva leciona que: "O dever de informação contém obrigação de resultado, já que seu cumprimento depende exclusivamente do cirurgião-dentista. Se não houver informação prévia ao paciente sobre os riscos e consequências do tratamento, será presumida a culpa do profissional. Portanto, na manutenção de prontuário com plano minucioso do tratamento, anamnese, radiografias e ficha de acompanhamento clínico, é indispensável termo de que constem expressamente as informações transmitidas ao paciente" (Responsabilidade Civil na Área da Saúde, São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 210)

Acórdão com obrigação de resultado em Odontologia.


"Apelação Cível. Ação de indenização por danos materiais e morais. Prestação de serviços odontológicos. Sentença de parcial procedência em relação a danos materiais. Colocação de próteses dentárias removíveis. Incidente. Fratura da peça superior. Inadequação do conserto. Perícia técnica. Confecção e colocação das próteses fora dos padrões exigidos. Ausência de planejamento adequado. Má prestação do serviço. Dano. Conduta culposa. Nexo de causalidade. Responsabilidade civil subjetiva. Profissionais liberais. Art. 14, § 4º, CDC. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Obrigação de resultado. Funcionalidade não alcançada. Dano material mantido no patamar indenizatório estabelecido. Afetação da imagem e autoestima da consumidora. Necessidade de se conduzir com sua figura ostentando falha dentária até poder contratar novas próteses. Dano moral in re ipsa. Recurso provido em parte para condenar o profissional à indenização por danos morais." (Processo: 0019628-09.2008.8.26.0482. Órgão julgador: 34ª Câmara de Direito Privado. Publicação
01/10/2013. Julgamento 30 de setembro de 2013. Relator Hélio Nogueira).

segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Conselheiro Arnaldo Hossepian

jornal O Estado de S. Paulo publicou hoje (7), no Blog do Fausto, o artigo “Justiça e Direito à saúde – a atuação do Conselho Nacional de Justiça”, do conselheiro Arnaldo Hossepian. O texto aborda o aumento de demandas judiciais na área da saúde pública e suplementar e como o Judiciário tem buscado medidas para “o aperfeiçoamento de procedimentos, o reforço à efetividade dos processos judiciais e à prevenção de novos conflitos”. O autor destaca a importante atuação dos Comitês Estaduais da Saúde e dos Núcleos de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NAT-Jus). O Estado de São Paulo foi um dos primeiros a implementar as duas unidades. O Comitê foi instalado em outubro de 2017 e monitora ações judiciais que envolvem prestação de assistência à saúde, bem como a proposição de medidas voltadas à otimização de rotinas processuais. O NAT-Jus, lançado em agosto do ano passado, fornece aos magistrados notas, pareceres e respostas técnicas com fundamentos científicos para decidirem ações com pedidos de tratamento médico ou fornecimento de remédios.
        “Revelou-se necessário organizar, em cada unidade da federação, Comitês Estaduais da Saúde, coordenados por magistrado, mas composto por integrantes do Sistema de Justiça e do Sistema de Saúde, com a finalidade de buscar soluções extrajudiciais (conciliação, termo de ajustamento, mediação) nas controvérsias que envolvem falha na concretização da política pública definida pelo Executivo e pelo Legislativo, e fixar estratégias locais. Ao lado dos Comitês Estaduais, foram criados também os Núcleos de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NATJUS), compostos por profissionais da área médica, destinados a subsidiar Magistrados e demais operadores do Direito com informações técnicas na área da medicina, e sempre tomando por base evidências científicas, quando a controvérsia envolver pedido de medicamento, procedimento, órtese ou prótese não incorporadas pela política pública, subsídio este que se materializa pela elaboração de “nota técnica”, escreveu o conselheiro.


https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/justica-e-direito-a-saude-a-atuacao-do-conselho-nacional-de-justica/

quinta-feira, 26 de setembro de 2019

CNJ Serviço: qual é a diferença entre urgência e emergência médicas?

Foto: Pedro Ventura/Agência Brasília
Foto: Pedro Ventura/Agência Brasília
O que determina as diferenças são a condição do paciente (com ou sem risco  iminente de morte) e do que ele necessita de imediato (atendimento ou tratamento): A “urgência" é definida como  "a ocorrência imprevista de agravo à saúde com ou sem risco potencial de vida, cujo portador necessita de assistência médica imediata" e a "emergência", como a "constatação médica de condições de agravo à saúde que impliquem em risco iminente de vida ou sofrimento intenso, exigindo portanto, tratamento médico imediato.” Um exemplo do primeiro é um caso de fratura de perna; o segundo, um caso de infarto agudo do miocárdio.
Dois marcos normativos servem de referência para os magistrados em relação ao direito à Saúde. As definições de urgência e emergência acima, contidas na Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) n. 1.451, de 1995, são a base para o atendimento ou tratamento médicos, independentemente se no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) ou da Saúde Suplementar. Porém, para as operadoras de planos e seguros de saúde, recorre-se à Lei nº 9.656, que regulou o funcionamento do setor em 1998, pois esta lei restringiu o conceito para o grupo de casos decorrentes de “acidentes pessoais ou de complicações no processo gestacional”.
Nos dois quadros normativos, porém, o conceito de emergência tem como requisito o risco iminente à vida, que exige um tratamento médico imediato. No entanto, enquanto o primeiro abrange situações de “sofrimento intenso”, o segundo também considera emergenciais os casos que envolvem risco de “lesões irreparáveis”. As duas definições exigem dos profissionais da saúde prioridade absoluta no cuidado a esses pacientes, sob risco de configurar omissão de socorro, lembrando que "lesões irreparáveis" podem também ocorrer em situações que não de urgência ou emergência.
Nos casos de urgência, sobretudo, a avaliação feita pelo médico do paciente será determinante para que a operadora cubra o procedimento indicado. Quando o caso não fica inquestionavelmente identificado como “urgente”, de acordo com a definição da lei, operadoras têm relativizado na Justiça a necessidade do atendimento imediato.
Esses conceitos são relevantes, quando um juiz é chamado a decidir sobre as obrigações de hospitais públicos ou operadoras de saúde em relação a uma vida que corre risco. As distinções também têm implicações para os médicos que atendem um paciente durante um episódio de agravamento de sua saúde; para os familiares que precisam recorrer à Justiça ou aos serviços de uma operadora de saúde; e para a integridade física do próprio paciente.
Em resposta a inúmeras negativas das operadoras de saúde a pedidos de tratamentos de urgência, alguns tribunais já editaram súmulas orientando a interpretação de seus magistrados para reagir a demandas específicas. O dever e a extensão do atendimento durante o período de carência são especialmente problemáticos e geram o maior número de controvérsias entre operadoras e seus clientes na esfera jurídica.

Tribunal inaugura Cejusc exclusivo para demandas de saúde

O Centro pretende realizar a gestão dos conflitos que envolvem a judicialização da saúde pela aplicação de métodos adequados de solução de disputas (mediação e conciliação), promovendo a todos os cidadãos a garantia dos direitos de cidadania, emergindo como estratégia para o tratamento das demandas pré-processuais e processuais. Entre 2008 e 2017, o número de demandas judiciais relativas à saúde aumentou 130% em Goiás. Enquanto isso, o crescimento total de processos judiciais foi de 50%. O Judiciário goiano recebe uma média de 15 processos por dia relacionados à questão. Segundo o Ministério da Saúde, em sete anos houve um crescimento de aproximadamente 13 vezes nos gastos com demandas judiciais, atingindo R$ 1,6 bilhão em 2016. Diante do cenário, o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO) e a a Diretoria do Foro da comarca de Goiânia, instalaram o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania da Saúde (Cejusc da Saúde), que funciona no mezanino do Fórum Cível Dr. Heitor de Moraes Fleury (Avenida Olinda, R. L. B, 04 - Qd G - Park Lozandes). 

Coordenador do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (Nupemec), o juiz Romério do Carmo Cordeiro explica porque a interferência do Judiciário no problema é justificável. “Se de um lado as políticas públicas normatizadas representam importantes garantias jurídicas na proteção do direito à saúde, a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário na efetivação do direito à saúde representa a última garantia de um cidadão ou de uma coletividade contra uma eventual violação ou ameaça ao direito à saúde. Compete ao Nupemec o desenvolvimento de política judiciária de tratamento adequado dos conflitos de interesses. Por isso, o Cejusc da Saúde terá uma função estratégica no sentido de aproximar ao máximo a capacidade da necessidade, oferecendo um ambiente propício que estimula o diálogo e a interação, antes de aplicar a decisão judicial”, ressalta o magistrado.  

Para entregar valor ao serviço prestado, o Cejusc da Saúde funcionará de forma interinstitucional, contando com a parceria das procuradorias do Estado e Município, Defensoria Pública e Ministério Público Estadual, secretarias da Saúde do Estado e do Município, Comitê Estadual de Saúde, Ipasgo, Agência Nacional de Saúde (ANS), assim como as empresas de planos de saúde operantes em Goiás.

Resultados para a sociedade

São objetivos do Cejusc da Saúde: aprimorar a qualidade e eficiência da intervenção judicial em assuntos de direito sanitário; tratar adequadamente os conflitos ligados à saúde; melhorar a qualificação da informação sobre as demandas referentes ao assunto; diminuir as demandas judicializadas referentes a direito sanitário; garantir aos usuários da Justiça a efetiva prestação jurisdicional e a pacificação social. 

“Também esperamos alcançar resultados que impactarão para a sociedade. Dentre eles, destacamos a maior celeridade processual e o descongestionamento do Judiciário; diminuir o número de processos protocolizados e, ainda, conseguir maior efetividade à decisão judicial, quando houver a judicialização do conflito após tramite pré-processual no Cejusc”, destaca o coordenador do Nupemec.

Transparência e Inovação

O Cejusc da Saúde criará um banco integrado de informações e orientações de medidas técnicas, legais e jurisprudenciais já existentes de resolução de demandas relacionadas à saúde destinada ao acesso do cidadão-jurisdicionado. Os documentos estarão disponíveis na página do Cejusc da Saúde no portal do TJGO. 

O projeto traz algumas inovações, como executar as operações de trâmite e acesso de forma virtual; formulário eletrônico de fácil acesso; atendimento local de balcão na sede do Cejusc da Saúde no Fórum Cível Dr. Heitor de Moraes Fleury; atermação e homologação virtual dos acordos feitos extrajudicialmente nas instituições cooperadas; e as negociações e mediações serão oportunizadas de forma humanizada e com suporte profissional adequado.
Fonte: TJGO

Tópicos: TJGO,judicialização da saúde


domingo, 15 de setembro de 2019

Sentença Judicial - Indenização por erro na prática odontológica - Processo nº: 1003715-40.2017.8.26.0001

Processo nº: 1003715-40.2017.8.26.0001 - Procedimento Comum Cível
Foro Regional I - Santana - Capital - SP
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo


Requerente: Silvana Figueira dos Santos
Requerido: Sorridente Anderson e Aline Odontologia Ltda
Exma. Sra. Dra. Juíza Simone de Figueiredo Rocha Soares
Perito: André Eduardo Amaral Ribeiro



Vistos.
Trata-se de AÇÃO INDENIZATÓRIA ajuizada por SILVANA
FIGUEIRA DOS SANTOS em face de SORRIDENTS CLÍNICAS ODONTOLÓGICAS
(ANDERSON E ALINE ODONTOLOGIA LTDA) alegando, em suma, que, no dia 21/04/2016, estava com uma forte dor de dente, razão pela qual se dirigiu à clínica da ré.
Afirma que se submeteu a um tratamento de canal, pagando o valor de R$ 495,00. Narra
que, no ato da contratação, a recepcionista pediu para que assinasse um papel em branco,
o que estranhou. Assevera que, após o atendimento, notou uma mancha escura em seus
lábios e uma mancha vermelha em sua bochecha, do lado esquerdo. Além disso, seu rosto
ficou muito inchado e sua boca dormente. Retornou à clínica ré, mas foi atendida pelo dentista na própria recepção, sequer sendo encaminhada ao consultório, ocasião em que este informou que aqueles sintomas passariam. Contudo, chegando em casa, notou que havia uma espécie de queimadura em sua boca, com bolhas e descamação. Afirma que não recebeu o devido atendimento pela ré, razão pela qual precisou procurar atendimento médico junto ao Hospital São Camilo. Ressalta que ficou com a cicatriz de queimadura no rosto, conforme foto recente que instrui a inicial. Requer indenização por dano moral no valor de R$ 30.000,00 e por dano estético no mesmo valor. Pede, ainda, indenização pelos danos materiais sofridos, no montante de R$ 934,38. Requer a concessão de tutela para apresentação pela ré de toda a documentação atinente ao seu atendimento odontológico.
A tutela foi deferida a fls. 51/52.
A requerida pediu a retificação de seu nome para que passe a constar no polo passivo ANDERSON E ALINE ODONTOLOGIA LTDA. Impugna, ainda, a concessão dos benefícios da Justiça Gratuita para a autora, ressaltando que, em outro feito, já houve indeferimento. No mérito, sustenta, em suma, que a autora não apresenta as manchas mencionadas na inicial, como pode ser constatado em audiência de conciliação e em fotos recentes de redes sociais. Destaca que, se um dia tais manchas existiram, não foram ocasionadas pelo tratamento odontológico feito nessa clínica. Aduz que o tratamento foi realizado de forma adequada e que é impossível que o hipoclorito de sódio tenha atingido o lábio e o rosto da autora, uma vez que é realizado um campo de isolamento para o procedimento, conforme imagens que exibe. Afirma, ainda, que o produto não é capaz de causar a alegada queimadura e que a autora informou não ter alergias. Assevera que foi prestado todo auxílio e atendimento à autora, contudo, esta causou tumulto na clínica e requereu, imediatamente, a rescisão contratual e devolução de todas as quantias pagas, o que foi providenciado. 
A autora foi informada, ainda, que necessitaria finalizar o tratamento em outro local, pois o canal não estava finalizado.
Impugna, no mais, os documentos acostados pela autora, ressaltando que não ficaram
demonstrados dano estético e dano moral.

Réplica a fls. 150/157.

Sobrevieram novas manifestações das partes e novos documentos.

Em decisão saneadora, foi determinada a produção de prova pericial.

Laudo pericial a fls. 237/255.

As partes apresentaram impugnações e os requeridos apresentaram
quesitos complementares, razão pela qual sobreveio laudo complementar a fls. 289/300.
Os requeridos apresentaram impugnação a fls. 303/310 e a autora deixou de se manifestar (fls. 311).

É o relatório.



DECIDO:
Conforme fixado em decisão saneadora, são pontos controvertidos: as falhas na prestação de serviços da ré; a existência de manchas no rosto da autora; a existência de dano material, dano estético e dano moral; em caso positivo, os respectivos valores das indenizações.
Também foi reconhecida a existência de uma relação de consumo, de modo que se declarou a inversão do ônus da prova em favor da parte autora, de acordo com o artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, competindo à ré comprovar a regularidade da prestação de seus serviços.
Como se trata de matéria eminentemente técnica, foi determinada a produção de prova pericial.
A prova oral pretendida pela parte ré não é hábil para esclarecer os pontos controvertidos.
Com efeito, mostra-se crucial para a solução do litígio a conclusão da prova pericial.
Consta do laudo pericial, a fls. 252/253, que, tendo em vista a falta de anotações no prontuário, não se sabe até que fase o tratamento da autora foi realizado.
Esclareceu, todavia, que, conforme fls. 62, não foi realizado o isolamento do local a ser tratado, o qual delimita o campo operatório, o mantém seco e visível e evita o extravasamento de quaisquer líquidos.
Não encontrou, por outro lado, nexo causal entre o uso de hipoclorito e a mancha na pele da autora.
O perito observou uma possível relação entre uma possível queimadura com um “Calcador”, no entanto, ante a falta de anotações no prontuário, não se sabe até qual fase do tratamento endodôntico se chegara. Ressalta que o prontuário incompleto é incompatível com boas práticas odontológicas e também tornou impossível determinar o
agente causador do dano (químico, físico).
Foi taxativo, ademais, ao informar que “a paciente não teve melhora em sua saúde com o tratamento na ré, do contrário, houve agravamento ou piora dela em razão da queimadura na face e lábio inferior”.
Concluiu, ainda, que a ré “não comprovou a regularidade dos procedimentos odontológicos por meio de prontuários e radiografias. Não há provas técnicas de boa-prática odontológica”.
A “lesão hipercrômica” ou escurecimento da pele da autora, ficou comprovada por laudo do Instituto Médico Legal, conforme fls. 16/17.
Em laudo complementar, esclareceu o perito que “é bastante improvável atribuir tal lesão ao sugador” e que se “o isolamento absoluto tivesse sido empregado, a lesão não teria ocorrido” (fls. 293).
A prova pericial, portanto, apontou de maneira clara que houve falha na prestação de serviços odontológicos pela ré, havendo nexo causal com a lesão suportada pela autora, a ensejar a reparação de danos.
O dano moral também é patente, por ser inerente a uma situação como essa.
Mostra-se evidente o abalo psicológico sofrido pela autora ao sofrer uma lesão que ocasionou escurecimento de sua pele ao realizar um tratamento odontológico, o que extrapola o mero aborrecimento.
O dano estético ficou evidenciado pela perícia, haja vista o escurecimento da pele ao redor dos lábios da autora, evidenciado a fls. 242; 247 e 295 do laudo.


A indenização por dano estético e por dano moral deve ser unificada, porquanto esses danos decorrem do mesmo fato.

Esse é o entendimento jurisprudencial:


“RESPONSABILIDADE CIVL Dano estético Cumulação com
indenização por dano moral em uma verba indenizatória única Admissibilidade Dano
moral e estético oriundos do mesmo fato Vítima que, em razão de lesões corporais
oriundas de acidente de trânsito, experimentou seqüelas estéticas consistentes em
cicatrizes no abdome Sentença mantida Recursos não providos.” (Apelação Cível n.
900.657-7 São Paulo 19ª Câmara de Direito Privado Relator: Sampaio Pontes
15.12.08 V.U. Voto n. 7636).


Na fixação do valor indenizatório, devem ser observados os princípios da moderação e da proporcionalidade, porquanto a reparação de dano moral não pode constituir uma fonte de enriquecimento.
Como inexistem, na legislação brasileira, parâmetros ou tarifamento para fixação de tais verbas indenizatórias, salvo em hipóteses excepcionais, a estimativa é conferida ao prudente arbítrio do juiz, a ser entendido, em conformidade com as circunstâncias peculiares do fato, as condições do lesado e do agente causador do dano, sem desconsiderar as funções punitiva e reparatória e também a necessidade de coerência nos julgados.


Com base nessas considerações, mister se faz a fixação da indenização em R$ 15.000,00 (quinze mil reais), montante razoável para minimizar o abalo emocional sofrido pela autora, também decorrente do dano estético e servir como desestímulo para a ré.
A requerente faz jus, ainda, à reparação dos danos materiais sofridos em virtude do ocorrido.
Deverá ser reembolsado o montante pago pelo tratamento, o qual se mostrou infrutífero e ainda ocasionou danos. Também deverão ser ressarcidos os gastos que a autora suportou com medicamentos e consulta dermatológica para tratar a lesão (fls. 28/32).
Conforme recibos apresentados pela autora, os danos materiais perfazem o montante pleiteado na inicial, qual seja, R$ 934,38 (novecentos e trinta e quatro reais e trinta e oito centavos).
Por fim, não se há falar em complementação dos honorários periciais, pois não houve a necessidade de realização de nova consulta pela autora, sendo apenas prestados esclarecimentos pelo perito, nos exatos termos do laudo original. Considera-se, portanto, que o valor já arbitrado é compatível com o trabalho realizado.


Diante do exposto JULGO PROCEDENTE o pedido para CONDENAR a ré ANDERSON E ALINE ODONTOLOGIA LTDA a pagar à autora SILVANA FIGUEIRA DOS SANTOS indenização por dano moral e dano estético no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), incidindo correção monetária desde a data da sentença e juros legais de mora de 1% ao mês desde a citação, bem como indenização por dano material no valor de R$ 934,38 (novecentos e trinta e quatro reais e trinta e oito centavos), incidindo correção monetária desde os desembolsos e juros legais de mora de 1% ao mês desde a citação.

Arcará a ré com as custas, despesas processuais e honorários advocatícios, ora fixados em 15% sobre o valor atualizado da condenação.

P.R.I.

São Paulo, 11 de setembro de 2019.

SIMONE DE FIGUEIREDO ROCHA SOARES
Juíza de Direito

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