RELATO DE CASO: A assistente técnica Juliana.
Não é raro trabalharmos em uma perícia na qual existe um assistente
técnico calado até o fim da perícia. Ele fica apenas como um enfeite, sentado e
assistindo o autor queixar-se, sem intervir, sem contestar, sem interromper.
E muitas vezes essa postura passiva é o que causa o desastre para aquele
que contratou o “assistente calado”.
Vou exemplificar com um caso real, no qual uma paciente ajuizou uma ação
cível contra uma clínica odontológica em razão de não ter recebido o tratamento
com lentes de contato.
Fui nomeado como perito em um fórum regional de São Paulo, com o dever de
apurar os pontos controvertidos fixados pelo Juízo:
Quesitos judiciais:
1. Quais foram os serviços contratados pela autora
junto à ré? Especificá-los.
2. Dentre os serviços quais eram reparadores e
quais estéticos?
3. Os serviços contratados e executados pela ré
foram prestados dentro da
melhor técnica profissional?
4. O que é mockup e para que serve?
5. O outro profissional que atendeu a autora
posteriormente à ré agiu de forma a prejudicar o resultado da prova pericial
produzida nos autos da ação de produção antecipada de provas (laudo de f.
34/62) e em que medida?
Foi trabalhoso, mas consegui apurar todos os pontos controvertidos –
dentro das limitações do perito.
O que ocorreu no momento da perícia?
Em um consultório em São Paulo, eu me sentei na mesa de escritório na
frente de meu notebook, com duas cadeiras do outro lado da mesa: na primeira, a
autora; na segunda, a assistente técnica da clínica requerida.
Preciso dizer que filmo todas as perícias. Isso em caso de alegações de
parcialidade no momento da impugnação do laudo pericial.
Ambas estavam de frente para mim. Eu escolhi trabalhar dessa maneira. A
maioria dos peritos gosta de sentar o paciente no equipo, com o assistente em
pé ou sentado em outro mocho. Cada perito faz de seu jeito: alguns sentam em um
mocho, outros ficam em pé. Eu gosto de trabalhar na mesa de escritório porque
posso anotar a lápis os pontos do relato do paciente.
A autora chorava e contava seu caso, eu me mantive firme diante das
lágrimas, pois nunca se sabe se o choro é natural ou se é uma tentativa de
comover o perito. Ela explicou todos os detalhes: foram cerca de 18 meses de
idas e vindas a tal clínica sem uma conclusão das lentes de contato da arcada
superior, já contratadas e já pagas.
A análise do prontuário mostrava que esses muitos retornos de fato ocorreram
e que houve sete repetições nas moldagens e provas de mock-ups na autora. Ela
teria ficado exausta e com seus dentes superiores desgastados. Segundo ela,
teria levado sua vida com os dentes com esmalte desgastado e teve seu cotidiano
normal. Ou seja, as pessoas na rua viam que havia algo estranho em seus dentes.
Mas quero explicar outra coisa: a postura da assistente técnica da
requerida. Ela permaneceu calada, não interveio em alguns pontos que me pareceram
exageros da autora. A autora falou por cerca de quarenta minutos, muitas vezes
fugindo do assunto e, nesses momentos, eu falava algo para voltarmos ao
assunto.
Vamos chamar a assistente técnica de Juliana – nome fictício.
É bem difícil ouvir queixas de pacientes em perícias, em especial quando
o paciente é prolixo e se afasta cada vez mais dos assuntos. No caso, eu sempre
trabalho com os pontos controvertidos na tela do meu notebook e tento manter
todos os presentes dentro desse tema.
O relato continuava. Vinte minutos. Eu olhava para Juliana e pensava “vamos,
pergunte alguma coisa!” e nada. A autora começou a falar de sua filha e fugir
ainda mais dos ocorridos durante o tratamento, mas Juliana seguia como
espectadora. Aquilo começou a me irritar porque eu via muitas brechas na qual
entendia que a tal assistente Juliana deveria se manifestar, deveria defender
sua cliente. Mas a cara de paisagem de Juliana continuava.
A autora terminou seu relato. Foram quarenta longos minutos. Como de
costume, gravei o áudio de tudo que foi dito para ouvir depois, quando
estivesse redigindo meu laudo.
Provoquei Juliana: “Doutora, quer dizer alguma coisa? Quer perguntar
alguma coisa para a autora?”. Sequer ela emitiu um som, apenas fez um não com a
cabeça.
Pensei nas possibilidades para tal comportamento passivo da tal
assistente: Juliana teria ela lido o processo? Seria esta a primeira perícia
que Juliana teria participado na vida? Por que ela estaria lá? Juliana recebeu
um pagamento para vir aqui?
Cheguei a pensar se ela não seria apenas uma amiga da parte requerida que
estaria ali apenas para marcar presença.
Depois eu descobri que ela recebera pelo trabalho sim. Também pesquisei o
nome de Juliana no Google: ela era especialista em Odontologia Legal, tinha até
doutorado. Fiquei mais curioso. Ainda descobri que ela lecionava Odontologia
Legal em uma faculdade.
Pensei: será que isso não é alguma pegadinha? Porque não poderia ser real
tal comportamento de Juliana, uma total indiferença com a realidade, uma total
passividade. A verdade é que alguém a contratou, pagou e Juliana prejudica seu
cliente dessa forma? Achei um absurdo, uma traição.
E de fato foi uma traição.
A sentença saiu com condenação da clínica requerida em danos materiais,
morais e estéticos. O pior cenário possível.
Mas o mais interessante vem agora. Juliana se aventurou a escrever um
parecer com grande agressividade, insultando-me, reduzindo-me a zero, com
frases agressivas na narrativa dela. No entanto, nada citou sobre as passagens
do processo. Entendi, então, o que tinha ocorrido: Juliana não só não tinha
lido o processo antes da perícia (dever de todo assistente técnico), mas também
não lera o processo para escrever seu parecer contrário ao meu laudo pericial.
A situação era um total absurdo. Uma audácia sem tamanho.
Insultos desconexos, acusações, ideias soltas – tudo contra mim como
pessoa. A lição que gostaria de deixar é essa: quando for escrever um
parecer, escreva atacando o trabalho do perito. Nunca escreva atacando a pessoa
do perito.
Tal regra foi observada de modo contrário pela assistente Juliana. Ela
preferiu atacar a PESSOA DO PERITO. Não atacou o trabalho do perito.
Bem, respondi a todos os insultos, pedi uma multa judicial contra o
comportamento de Juliana. A Juíza de Direito do caso era minha conhecida há
muitos anos, já tinha me nomeado mais de trinta vezes para perícias na vara
cível dela. Melhor assim, porque não correria o risco de que a Juíza
acreditasse naquela avalanche de mentiras.
Em suma: o assistente técnico pode acabar com todo o trabalho feito pelos
advogados. Um assistente passivo como Juliana te trai e leva seu dinheiro sem
lhe dar nenhuma contraprestação. Escrevi no laudo acerca da passividade de
Juliana, de seu silêncio, de sua indiferença.
Acho uma grande sacanagem esse tipo de comportamento. Mas esse caso não
acabou bem para Juliana. Lembram que eu disse que filmava todas as perícias?
Então, a advogada da requerida enviou um e-mail e me pediu para enviar o vídeo para
ela. Compartilhei o arquivo de 2 GB pelo One Drive da Microsoft.
A advogada assistiu tudinho e me escreveu agradecendo. Soube que agora
Juliana enfrenta uma ação cível promovida pelos clientes e ainda vai enfrentar
uma ação ética no CROSP. Nada mais justo.
O que oriento aos advogados: contratem um assistente técnico e peçam para
que ele grave o áudio da perícia ou até mesmo filme a perícia. O cliente tem o
direito e o dever de avaliar o trabalho de seu assistente técnico.
Já o assistente tem o dever de lutar pelo seu cliente. Sempre há muito
para dizer, sempre há o que impugnar. Posturas passivas como a de Juliana não
podem mais ser aceitas.
Acho que ajudei um pouquinho os advogados.
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