domingo, 27 de março de 2022

 

RELATO DE CASO: A assistente técnica Juliana.

 

 

Não é raro trabalharmos em uma perícia na qual existe um assistente técnico calado até o fim da perícia. Ele fica apenas como um enfeite, sentado e assistindo o autor queixar-se, sem intervir, sem contestar, sem interromper.

E muitas vezes essa postura passiva é o que causa o desastre para aquele que contratou o “assistente calado”.

Vou exemplificar com um caso real, no qual uma paciente ajuizou uma ação cível contra uma clínica odontológica em razão de não ter recebido o tratamento com lentes de contato.

Fui nomeado como perito em um fórum regional de São Paulo, com o dever de apurar os pontos controvertidos fixados pelo Juízo:

Quesitos judiciais:

1. Quais foram os serviços contratados pela autora junto à ré? Especificá-los.

2. Dentre os serviços quais eram reparadores e quais estéticos?

3. Os serviços contratados e executados pela ré foram prestados dentro da

melhor técnica profissional?

4. O que é mockup e para que serve?

5. O outro profissional que atendeu a autora posteriormente à ré agiu de forma a prejudicar o resultado da prova pericial produzida nos autos da ação de produção antecipada de provas (laudo de f. 34/62) e em que medida?

Foi trabalhoso, mas consegui apurar todos os pontos controvertidos – dentro das limitações do perito.

O que ocorreu no momento da perícia?

Em um consultório em São Paulo, eu me sentei na mesa de escritório na frente de meu notebook, com duas cadeiras do outro lado da mesa: na primeira, a autora; na segunda, a assistente técnica da clínica requerida.

Preciso dizer que filmo todas as perícias. Isso em caso de alegações de parcialidade no momento da impugnação do laudo pericial.

Ambas estavam de frente para mim. Eu escolhi trabalhar dessa maneira. A maioria dos peritos gosta de sentar o paciente no equipo, com o assistente em pé ou sentado em outro mocho. Cada perito faz de seu jeito: alguns sentam em um mocho, outros ficam em pé. Eu gosto de trabalhar na mesa de escritório porque posso anotar a lápis os pontos do relato do paciente.

A autora chorava e contava seu caso, eu me mantive firme diante das lágrimas, pois nunca se sabe se o choro é natural ou se é uma tentativa de comover o perito. Ela explicou todos os detalhes: foram cerca de 18 meses de idas e vindas a tal clínica sem uma conclusão das lentes de contato da arcada superior, já contratadas e já pagas.

A análise do prontuário mostrava que esses muitos retornos de fato ocorreram e que houve sete repetições nas moldagens e provas de mock-ups na autora. Ela teria ficado exausta e com seus dentes superiores desgastados. Segundo ela, teria levado sua vida com os dentes com esmalte desgastado e teve seu cotidiano normal. Ou seja, as pessoas na rua viam que havia algo estranho em seus dentes.

Mas quero explicar outra coisa: a postura da assistente técnica da requerida. Ela permaneceu calada, não interveio em alguns pontos que me pareceram exageros da autora. A autora falou por cerca de quarenta minutos, muitas vezes fugindo do assunto e, nesses momentos, eu falava algo para voltarmos ao assunto.

Vamos chamar a assistente técnica de Juliana – nome fictício.

É bem difícil ouvir queixas de pacientes em perícias, em especial quando o paciente é prolixo e se afasta cada vez mais dos assuntos. No caso, eu sempre trabalho com os pontos controvertidos na tela do meu notebook e tento manter todos os presentes dentro desse tema.

O relato continuava. Vinte minutos. Eu olhava para Juliana e pensava “vamos, pergunte alguma coisa!” e nada. A autora começou a falar de sua filha e fugir ainda mais dos ocorridos durante o tratamento, mas Juliana seguia como espectadora. Aquilo começou a me irritar porque eu via muitas brechas na qual entendia que a tal assistente Juliana deveria se manifestar, deveria defender sua cliente. Mas a cara de paisagem de Juliana continuava.

A autora terminou seu relato. Foram quarenta longos minutos. Como de costume, gravei o áudio de tudo que foi dito para ouvir depois, quando estivesse redigindo meu laudo.

Provoquei Juliana: “Doutora, quer dizer alguma coisa? Quer perguntar alguma coisa para a autora?”. Sequer ela emitiu um som, apenas fez um não com a cabeça.

Pensei nas possibilidades para tal comportamento passivo da tal assistente: Juliana teria ela lido o processo? Seria esta a primeira perícia que Juliana teria participado na vida? Por que ela estaria lá? Juliana recebeu um pagamento para vir aqui?

Cheguei a pensar se ela não seria apenas uma amiga da parte requerida que estaria ali apenas para marcar presença.

Depois eu descobri que ela recebera pelo trabalho sim. Também pesquisei o nome de Juliana no Google: ela era especialista em Odontologia Legal, tinha até doutorado. Fiquei mais curioso. Ainda descobri que ela lecionava Odontologia Legal em uma faculdade.

Pensei: será que isso não é alguma pegadinha? Porque não poderia ser real tal comportamento de Juliana, uma total indiferença com a realidade, uma total passividade. A verdade é que alguém a contratou, pagou e Juliana prejudica seu cliente dessa forma? Achei um absurdo, uma traição.

E de fato foi uma traição.

A sentença saiu com condenação da clínica requerida em danos materiais, morais e estéticos. O pior cenário possível.

Mas o mais interessante vem agora. Juliana se aventurou a escrever um parecer com grande agressividade, insultando-me, reduzindo-me a zero, com frases agressivas na narrativa dela. No entanto, nada citou sobre as passagens do processo. Entendi, então, o que tinha ocorrido: Juliana não só não tinha lido o processo antes da perícia (dever de todo assistente técnico), mas também não lera o processo para escrever seu parecer contrário ao meu laudo pericial.

A situação era um total absurdo. Uma audácia sem tamanho.

Insultos desconexos, acusações, ideias soltas – tudo contra mim como pessoa. A lição que gostaria de deixar é essa: quando for escrever um parecer, escreva atacando o trabalho do perito. Nunca escreva atacando a pessoa do perito.

Tal regra foi observada de modo contrário pela assistente Juliana. Ela preferiu atacar a PESSOA DO PERITO. Não atacou o trabalho do perito.

Bem, respondi a todos os insultos, pedi uma multa judicial contra o comportamento de Juliana. A Juíza de Direito do caso era minha conhecida há muitos anos, já tinha me nomeado mais de trinta vezes para perícias na vara cível dela. Melhor assim, porque não correria o risco de que a Juíza acreditasse naquela avalanche de mentiras.

Em suma: o assistente técnico pode acabar com todo o trabalho feito pelos advogados. Um assistente passivo como Juliana te trai e leva seu dinheiro sem lhe dar nenhuma contraprestação. Escrevi no laudo acerca da passividade de Juliana, de seu silêncio, de sua indiferença.

Acho uma grande sacanagem esse tipo de comportamento. Mas esse caso não acabou bem para Juliana. Lembram que eu disse que filmava todas as perícias? Então, a advogada da requerida enviou um e-mail e me pediu para enviar o vídeo para ela. Compartilhei o arquivo de 2 GB pelo One Drive da Microsoft.

A advogada assistiu tudinho e me escreveu agradecendo. Soube que agora Juliana enfrenta uma ação cível promovida pelos clientes e ainda vai enfrentar uma ação ética no CROSP. Nada mais justo.

O que oriento aos advogados: contratem um assistente técnico e peçam para que ele grave o áudio da perícia ou até mesmo filme a perícia. O cliente tem o direito e o dever de avaliar o trabalho de seu assistente técnico.

Já o assistente tem o dever de lutar pelo seu cliente. Sempre há muito para dizer, sempre há o que impugnar. Posturas passivas como a de Juliana não podem mais ser aceitas.

Acho que ajudei um pouquinho os advogados.

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