domingo, 15 de setembro de 2019

Sentença Judicial - Indenização por erro na prática odontológica - Processo nº: 1003715-40.2017.8.26.0001

Processo nº: 1003715-40.2017.8.26.0001 - Procedimento Comum Cível
Foro Regional I - Santana - Capital - SP
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo


Requerente: Silvana Figueira dos Santos
Requerido: Sorridente Anderson e Aline Odontologia Ltda
Exma. Sra. Dra. Juíza Simone de Figueiredo Rocha Soares
Perito: André Eduardo Amaral Ribeiro



Vistos.
Trata-se de AÇÃO INDENIZATÓRIA ajuizada por SILVANA
FIGUEIRA DOS SANTOS em face de SORRIDENTS CLÍNICAS ODONTOLÓGICAS
(ANDERSON E ALINE ODONTOLOGIA LTDA) alegando, em suma, que, no dia 21/04/2016, estava com uma forte dor de dente, razão pela qual se dirigiu à clínica da ré.
Afirma que se submeteu a um tratamento de canal, pagando o valor de R$ 495,00. Narra
que, no ato da contratação, a recepcionista pediu para que assinasse um papel em branco,
o que estranhou. Assevera que, após o atendimento, notou uma mancha escura em seus
lábios e uma mancha vermelha em sua bochecha, do lado esquerdo. Além disso, seu rosto
ficou muito inchado e sua boca dormente. Retornou à clínica ré, mas foi atendida pelo dentista na própria recepção, sequer sendo encaminhada ao consultório, ocasião em que este informou que aqueles sintomas passariam. Contudo, chegando em casa, notou que havia uma espécie de queimadura em sua boca, com bolhas e descamação. Afirma que não recebeu o devido atendimento pela ré, razão pela qual precisou procurar atendimento médico junto ao Hospital São Camilo. Ressalta que ficou com a cicatriz de queimadura no rosto, conforme foto recente que instrui a inicial. Requer indenização por dano moral no valor de R$ 30.000,00 e por dano estético no mesmo valor. Pede, ainda, indenização pelos danos materiais sofridos, no montante de R$ 934,38. Requer a concessão de tutela para apresentação pela ré de toda a documentação atinente ao seu atendimento odontológico.
A tutela foi deferida a fls. 51/52.
A requerida pediu a retificação de seu nome para que passe a constar no polo passivo ANDERSON E ALINE ODONTOLOGIA LTDA. Impugna, ainda, a concessão dos benefícios da Justiça Gratuita para a autora, ressaltando que, em outro feito, já houve indeferimento. No mérito, sustenta, em suma, que a autora não apresenta as manchas mencionadas na inicial, como pode ser constatado em audiência de conciliação e em fotos recentes de redes sociais. Destaca que, se um dia tais manchas existiram, não foram ocasionadas pelo tratamento odontológico feito nessa clínica. Aduz que o tratamento foi realizado de forma adequada e que é impossível que o hipoclorito de sódio tenha atingido o lábio e o rosto da autora, uma vez que é realizado um campo de isolamento para o procedimento, conforme imagens que exibe. Afirma, ainda, que o produto não é capaz de causar a alegada queimadura e que a autora informou não ter alergias. Assevera que foi prestado todo auxílio e atendimento à autora, contudo, esta causou tumulto na clínica e requereu, imediatamente, a rescisão contratual e devolução de todas as quantias pagas, o que foi providenciado. 
A autora foi informada, ainda, que necessitaria finalizar o tratamento em outro local, pois o canal não estava finalizado.
Impugna, no mais, os documentos acostados pela autora, ressaltando que não ficaram
demonstrados dano estético e dano moral.

Réplica a fls. 150/157.

Sobrevieram novas manifestações das partes e novos documentos.

Em decisão saneadora, foi determinada a produção de prova pericial.

Laudo pericial a fls. 237/255.

As partes apresentaram impugnações e os requeridos apresentaram
quesitos complementares, razão pela qual sobreveio laudo complementar a fls. 289/300.
Os requeridos apresentaram impugnação a fls. 303/310 e a autora deixou de se manifestar (fls. 311).

É o relatório.



DECIDO:
Conforme fixado em decisão saneadora, são pontos controvertidos: as falhas na prestação de serviços da ré; a existência de manchas no rosto da autora; a existência de dano material, dano estético e dano moral; em caso positivo, os respectivos valores das indenizações.
Também foi reconhecida a existência de uma relação de consumo, de modo que se declarou a inversão do ônus da prova em favor da parte autora, de acordo com o artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, competindo à ré comprovar a regularidade da prestação de seus serviços.
Como se trata de matéria eminentemente técnica, foi determinada a produção de prova pericial.
A prova oral pretendida pela parte ré não é hábil para esclarecer os pontos controvertidos.
Com efeito, mostra-se crucial para a solução do litígio a conclusão da prova pericial.
Consta do laudo pericial, a fls. 252/253, que, tendo em vista a falta de anotações no prontuário, não se sabe até que fase o tratamento da autora foi realizado.
Esclareceu, todavia, que, conforme fls. 62, não foi realizado o isolamento do local a ser tratado, o qual delimita o campo operatório, o mantém seco e visível e evita o extravasamento de quaisquer líquidos.
Não encontrou, por outro lado, nexo causal entre o uso de hipoclorito e a mancha na pele da autora.
O perito observou uma possível relação entre uma possível queimadura com um “Calcador”, no entanto, ante a falta de anotações no prontuário, não se sabe até qual fase do tratamento endodôntico se chegara. Ressalta que o prontuário incompleto é incompatível com boas práticas odontológicas e também tornou impossível determinar o
agente causador do dano (químico, físico).
Foi taxativo, ademais, ao informar que “a paciente não teve melhora em sua saúde com o tratamento na ré, do contrário, houve agravamento ou piora dela em razão da queimadura na face e lábio inferior”.
Concluiu, ainda, que a ré “não comprovou a regularidade dos procedimentos odontológicos por meio de prontuários e radiografias. Não há provas técnicas de boa-prática odontológica”.
A “lesão hipercrômica” ou escurecimento da pele da autora, ficou comprovada por laudo do Instituto Médico Legal, conforme fls. 16/17.
Em laudo complementar, esclareceu o perito que “é bastante improvável atribuir tal lesão ao sugador” e que se “o isolamento absoluto tivesse sido empregado, a lesão não teria ocorrido” (fls. 293).
A prova pericial, portanto, apontou de maneira clara que houve falha na prestação de serviços odontológicos pela ré, havendo nexo causal com a lesão suportada pela autora, a ensejar a reparação de danos.
O dano moral também é patente, por ser inerente a uma situação como essa.
Mostra-se evidente o abalo psicológico sofrido pela autora ao sofrer uma lesão que ocasionou escurecimento de sua pele ao realizar um tratamento odontológico, o que extrapola o mero aborrecimento.
O dano estético ficou evidenciado pela perícia, haja vista o escurecimento da pele ao redor dos lábios da autora, evidenciado a fls. 242; 247 e 295 do laudo.


A indenização por dano estético e por dano moral deve ser unificada, porquanto esses danos decorrem do mesmo fato.

Esse é o entendimento jurisprudencial:


“RESPONSABILIDADE CIVL Dano estético Cumulação com
indenização por dano moral em uma verba indenizatória única Admissibilidade Dano
moral e estético oriundos do mesmo fato Vítima que, em razão de lesões corporais
oriundas de acidente de trânsito, experimentou seqüelas estéticas consistentes em
cicatrizes no abdome Sentença mantida Recursos não providos.” (Apelação Cível n.
900.657-7 São Paulo 19ª Câmara de Direito Privado Relator: Sampaio Pontes
15.12.08 V.U. Voto n. 7636).


Na fixação do valor indenizatório, devem ser observados os princípios da moderação e da proporcionalidade, porquanto a reparação de dano moral não pode constituir uma fonte de enriquecimento.
Como inexistem, na legislação brasileira, parâmetros ou tarifamento para fixação de tais verbas indenizatórias, salvo em hipóteses excepcionais, a estimativa é conferida ao prudente arbítrio do juiz, a ser entendido, em conformidade com as circunstâncias peculiares do fato, as condições do lesado e do agente causador do dano, sem desconsiderar as funções punitiva e reparatória e também a necessidade de coerência nos julgados.


Com base nessas considerações, mister se faz a fixação da indenização em R$ 15.000,00 (quinze mil reais), montante razoável para minimizar o abalo emocional sofrido pela autora, também decorrente do dano estético e servir como desestímulo para a ré.
A requerente faz jus, ainda, à reparação dos danos materiais sofridos em virtude do ocorrido.
Deverá ser reembolsado o montante pago pelo tratamento, o qual se mostrou infrutífero e ainda ocasionou danos. Também deverão ser ressarcidos os gastos que a autora suportou com medicamentos e consulta dermatológica para tratar a lesão (fls. 28/32).
Conforme recibos apresentados pela autora, os danos materiais perfazem o montante pleiteado na inicial, qual seja, R$ 934,38 (novecentos e trinta e quatro reais e trinta e oito centavos).
Por fim, não se há falar em complementação dos honorários periciais, pois não houve a necessidade de realização de nova consulta pela autora, sendo apenas prestados esclarecimentos pelo perito, nos exatos termos do laudo original. Considera-se, portanto, que o valor já arbitrado é compatível com o trabalho realizado.


Diante do exposto JULGO PROCEDENTE o pedido para CONDENAR a ré ANDERSON E ALINE ODONTOLOGIA LTDA a pagar à autora SILVANA FIGUEIRA DOS SANTOS indenização por dano moral e dano estético no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), incidindo correção monetária desde a data da sentença e juros legais de mora de 1% ao mês desde a citação, bem como indenização por dano material no valor de R$ 934,38 (novecentos e trinta e quatro reais e trinta e oito centavos), incidindo correção monetária desde os desembolsos e juros legais de mora de 1% ao mês desde a citação.

Arcará a ré com as custas, despesas processuais e honorários advocatícios, ora fixados em 15% sobre o valor atualizado da condenação.

P.R.I.

São Paulo, 11 de setembro de 2019.

SIMONE DE FIGUEIREDO ROCHA SOARES
Juíza de Direito

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