Condenações
cíveis na área de saúde e sua relação com o blanket consent em julgados de Segundo
Grau do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
RESUMO: Estudo de cinco acórdãos julgados em 2020 e 2021. Todos
eles versavam sobre tratamentos de saúde (estéticos, preventivos ou curativos),
nos quais observamos que: (i) em todos eles houve a determinação de
produção de prova pericial; (ii) em todos eles, a prova pericial nada
apontou no sentido de más práticas profissionais; (iii) em todos os
casos houve condenação dos profissionais de saúde, embora a prova pericial
tenha apontado a correição dos procedimentos; (iv) o fundamento para a
condenação foi a falta de informação clara, prévia e completa ao paciente; (v)
todos os casos indicaram expressamente o acórdão do STJ. 4ª Turma. REsp
1.540.580-DF, Rel. Min. Lázaro Guimarães (Desembargador Convocado do TRF 5ª
Região), Rel. Acd. Min. Luís Felipe Salomão, julgado em 02/08/2018); (vi)
o termo pesquisado é um estrangeirismo: blanket consent, não foi visto na
parte decisória dos cinco julgados da corte paulista; (vii) poderíamos
traduzir o termo por consentimento genérico, (viii) o termo ainda não se
tornou comum na redação estrita de acódãos no TJ-SP, embora todos os julgados
tenham seguido os julgados do STJ: REsp 1540580/DF -- 5. Haverá efetivo
cumprimento do dever de informação quando os esclarecimentos se relacionarem
especificamente ao caso do paciente, não se mostrando suficiente a informação
genérica. Da mesma forma, para validar a informação prestada, não pode o
consentimento do paciente ser genérico (blanket consent), necessitando ser
claramente individualizado.
Unitermos: termo de consentimento, informação
genérica, blanket consent.
Introdução:
As decisões por câmaras de
segundo grau no Tribunal de Justiça vêm se balizando por um recurso especial
julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, RECURSO ESPECIAL Nº 1.540.580 – DF.
Isso parece introduzir mais uma
preocupação para os profissionais de saúde que se preocupam com o consentimento
detalhado ao paciente. Uma vez que embora existente alguma forma de
consentimento, os Magistrados podem considerá-lo nulo, por meio do decreto de
ser um consentimento genérico, chamado também de blanket consent.
Objetivo: estudar processos nos quais se viu a
decisão condenatória e verificar o que houve em comum entre os processos
estudados. Em todos eles houve menção ao julgado do STJ. 4ª Turma. REsp
1.540.580-DF, Rel. Min. Lázaro Guimarães (Desembargador Convocado do TRF 5ª
Região), Rel. Acd. Min. Luís Felipe Salomão, julgado em 02/08/2018)
Método: a pesquisa foi feita no item
Jurisprudência, no site www.tjsp.jus.br , usado unicamente o termos blanket
consent. Então, a ferramenta de pesquisa do Tribunal trouxe 17 processos
julgados e transitados em julgado. A pesquisa foi realizada na segunda semana
de novembro de 2021 pelos próprios autores. Os julgados deveriam ter diretamente a indicação expressa do acórdão do
STJ - REsp 1.540.580-DF. Essa indicação expressa foi requisito para o processo
ser considerado e avaliado pelos autores.
Casos escolhidos em razão de quatro requisitos
presentes:
Caso 1: autora fez exame de holter por 24 horas.
No momento da retirada do aparelho, notou manchas na pele, que lhe causaram deboche
de seus alunos porque é professora da rede pública. A perícia afastou imperícia
no exame de holter. Indicação expressa do acórdão do STJ. 4ª Turma. REsp
1.540.580-DF, Rel. Min. Lázaro Guimarães (Desembargador Convocado do TRF 5ª
Região), Rel. Acd. Min. Luís Felipe Salomão, julgado em 02/08/2018)
Decisão dos desembargadores
se deu pela falha de informação no momento do pré-atendimento porque a clínica
requerida entregou apenas um folheto informativo sobre o uso do aparelho. Tal
folheto foi julgado inválido porque não demonstrou a aceitação da autora, por
falta de assinatura.
Condenação em segundo grau:
R$ 5.000,00 por danos morais.
Transcrição de trecho da
decisão:
No caso
concreto a requerida sequer refuta que não apresentou nos autos documento
assinado que comprove o dever de informação, não houve prova de qualquer
informação que deveria ser prestada à autora, seja sobre a possibilidade de
formação de cicatrizes evidentes, surgimento de manchas na pele, descoloração
ou pigmentação cutânea na área de fixação dos eletrodos, entre outras, ou seja,
inequívoco o descumprimento do dever de informação. Apelação Cível nº
1014524-26.2019.8.26.0161 -Voto nº 12939.
Caso 2: autora
submetida à cirurgia para a exérese de uma tuba uterina. No entanto, durante a
cirurgia, ambas as trompas uterinas foram removidas. No entanto, a segunda
trompa era sã. Autora não consentiu previamente nenhuma intervenção na segunda
trompa. O médico tem o dever inarredável de informar.
Testemunhas foram convergentes
sobre a correição do procedimento cirúrgico. Indicação expressa do acórdão do STJ.
4ª Turma. REsp 1.540.580-DF, Rel. Min. Lázaro Guimarães (Desembargador
Convocado do TRF 5ª Região), Rel. Acd. Min. Luís Felipe Salomão, julgado em
02/08/2018)
Condenação em segundo grau:
R$ 10.000,00 por danos morais.
Transcrição de trecho da
decisão:
O que se
conclui, de todos os elementos coligidos, é que, apesar de correto, o procedimento
de retirada da trompa saudável foi efetivado sem o prévio e imprescindível
consentimento da demandante. No caso, a autora tinha pleno conhecimento de que
seria retirada uma de suas trompas, em razão de gravidez ectópica previamente
diagnosticada, porém, não sabia que também seria removida a outra, saudável, o
que configura violação do dever de informação, um dos mais relevantes na
relação médico-paciente. Apelação nº 1017092-69.2017.8.26.0004 -Voto nº 40041
Caso 3: Autora submetida a cirurgias plásticas
nas pálpebras e nas mamas. Cicatrizes hipertróficas, assimetria das mamas.
Embora o laudo pericial tenha apontado correição no procedimento cirúrgico, os
julgadores entenderam que a autora não estava esclarecida dos riscos, perigos e
desvantagens que os procedimentos poderiam causar. Duas cirurgias com tentativa
de correção da estética das mamas, mas a autora faleceu por outras causas não
relacionadas às consequências da cirurgia.
Indicação expressa do acórdão
do STJ. 4ª Turma. REsp 1.540.580-DF, Rel. Min. Lázaro Guimarães (Desembargador
Convocado do TRF 5ª Região), Rel. Acd. Min. Luís Felipe Salomão, julgado em
02/08/2018)
Condenação em segundo grau:
R$ 25.000,00 por danos morais.
Transcrição de trecho da
decisão:
Conforme
se observa dos documentos médicos juntados aos autos, e conforme laudo de
perícia médica, a autora, em 16.12.2013, visando à correção de sinais de
expressão ao redor da boca e à correção em pálpebras inferiores e superiores,
realizou o procedimento cirúrgico denominado “retidectomia” (fls. 43 e 221
registro de entrada; fls. 223/224 prontuário médico), além de ser submetida
também à troca de próteses mamárias em 11.02.2014 (fls. 43). Incontroverso,
portanto, que as intervenções a que fora submetida a autora tiveram única e
exclusiva finalidade plástica visando à legítima expectativa de obter resultado
embelezador e melhora da sua aparência, de modo que a obrigação assumida pelo
cirurgião plástico réu se caracterizou como obrigação de resultado. Com efeito,
de acordo com o laudo pericial produzido, a cirurgia facial de retidectomia a
que fora submetida a autora não é isenta de riscos, assim como as complicações
alegadas pela autora na cirurgia mamária são passíveis de ocorrência.
Logo, a
falta de informação pelo médico ao paciente é considerada ilícito contratual,
configurando culpa do profissional na modalidade de negligência (omissão no
dever de informar), a ensejar de reparar os danos morais. Apelação Cível nº 0002255-87.2015.8.26.0653
-Voto nº 6955
Caso
4: Autor se submeteu a artroplastia para colocação de prótese
total em joelho. Infecção pós-operatória que levou ao óbito do autor. A prova
pericial concluiu que o diabetes e a idade avançada do autor foram fatores
complicadores para a recuperação após a cirurgia, e em razão das patologias,
motivaram a infecção grave. O autor faleceu. Embora com laudo pericial
favorável aos médicos, os julgadores entenderam que houve falha no dever de
prestar informações prévias. Tratamento da infecção inclusive com amputação parcial
de membro.
Indicação expressa do acórdão
do STJ. 4ª Turma. REsp 1.540.580-DF, Rel. Min. Lázaro Guimarães (Desembargador
Convocado do TRF 5ª Região), Rel. Acd. Min. Luís Felipe Salomão, julgado em
02/08/2018)
Condenação em segundo grau:
R$ 40.000,00 por danos morais.
Transcrição de trecho da
decisão:
Em sequência, firmou “Termo de Consentimento Esclarecido para
Procedimento Cirúrgico” (fls. 2417), redigido nos seguintes termos:
“(...) 2) Recebi todas as informações necessárias quanto aos riscos,
benefícios, alternativas de tratamento, bem como fui informado sobre os riscos
e benefícios de não ser tomada nenhuma atitude terapêutica diante da natureza
da(s) enfermidade(s) diagnosticada(s).
3) Compreendo que durante os exames e/ou procedimentos:
____________________, para tentar curar, ou melhorar as supracitada(s)
condição(ões), poderá(ão) ocorrer situação(ões) imprevisível(eis) ou fortuitas.
4) Estou ciente de que em procedimentos médicos invasivos, como
o citado, podem ocorrer complicações gerais, como sangramento, infecção,
problemas cardiovasculares e respiratórios e outros (...)”.
Entretanto, apesar das inúmeras terapias e
tratamentos dispensados ao Sr. Alexandre, tais como desbridamento cirúrgico da
infecção, retirada de prótese, curativo a vácuo, e “conduta extrema de
amputação ao nível da coxa” no dia 22.02.2016 (fls. 1587/2199), permaneceu sob
os cuidados da equipe da UTI, evoluiu com várias complicações, vindo aóbito no
dia 13.03.2016, com “insuficiência de múltiplos órgãos, choque séptico, infecção
de partes moles e insuficiência renal” (fls. 13).
Nota-se, portanto, pelos esclarecimentos
prestados pelo perito e pelas respostas dadas aos quesitos, que a presença de
comorbidades como a diabetes e debilidade imunológica, associada à idade avançada
do paciente (83 anos) foram fatores que teriam prejudicado a evolução cirúrgica
e motivaram o quadro infeccioso que acometeu o Sr. Alexandre.
Ora, se o nosocômio já tinha pleno
conhecimento do histórico médico do paciente, inclusive tendo submetido à
avaliação clínica pré-operatória (fls. 2454), tendo constatado na ocasião os
mencionados riscos aqui citados pela AACD que aumentam a probabilidade de
complicações, surge a dúvida se a cirurgia deveria ter sido realizada, conforme
bem salientaram os autores.
Ademais, é obrigação de o médico esclarecer
ao seu paciente tudo o que está relacionado à enfermidade e as chances de
causar algum efeito não esperado. O diagnóstico, prognóstico, procedimentos,
benefícios, reações adversas, entre outras informações pertinentes ao
tratamento devem ser muito bem esclarecidas.
No caso,
os esclarecimentos contidos no “Termo de Consentimento Esclarecido para
Procedimento Cirúrgico” (fls. 2417) foram insuficientes, pois descreve
complicações semelhantes às que ocorrem em outros procedimentos cirúrgicos como
sangramento, infecção, problemas cardiovasculares e respiratórios, mas o
paciente não foi informado da possibilidade de complicações mais graves, no
caso específico do Sr. Alexandre, por ser ele portador de comorbidades,
associada à idade avançada, do risco aumentado para infecção pós-operatória.
Para
essa indenização, o valor equivalente a R$ 40.000,00 para cada um dos autores é
bastante razoável para recompor os prejuízos sofridos pelos autores e a reprimir
o ato, sem implicar enriquecimento a quem recebe. Apelação Cível nº 1045020-32.2016.8.26.0100
-Voto nº 7251
Caso
5: autora se submeteu a cirurgia no aparelho reprodutor feminino.
Diagnóstico de adenomiose e colecistopatia calculosa, após as quais se indicou
a cirurgia de histerectomia total abdominal. O laudo pericial concluiu que não
houve falha na técnica cirúrgica.
Com
isso, de fato a hipótese era de improcedência dos pedidos de indenização por
dano material e moral baseados em suposta falha na realização do procedimento cirúrgico
em si.
Indicação expressa do acórdão
do STJ. 4ª Turma. REsp 1.540.580-DF, Rel. Min. Lázaro Guimarães (Desembargador
Convocado do TRF 5ª Região), Rel. Acd. Min. Luís Felipe Salomão, julgado em 02/08/2018)
Condenação em segundo grau:
R$ 15.000,00 por danos (material e moral).
Transcrição de trecho da
decisão:
No entanto, a causa de pedir da ação não se
limitou ao alegado defeito da técnica cirúrgica utilizada para tratamento da
autora, mas também compreendeu suposta falha nas informações prestadas pela
médica ré àquela. De fato, tratando-se de relação de consumo, o profissional
prestador de serviço tem o dever de informar com exatidão o diagnóstico do
paciente, bem como o procedimento realizado para o tratamento e riscos a ele
relacionados (art. 6º, inciso III, CDC).
Assim, considerando-se a gravidade da
conduta da médica ré e a extensão do dano experimentado pela demandante, tem-se
como adequado o quantum indenizatório fixado em R$ 15.000,00 pelo magistrado de
origem, valor que observa os princípios da proporcionalidade e razoabilidade na
hipótese, não se justificando a majoração pretendida pela autora. Apelação Cível nº 1002545-82.2017.8.26.0405
-Voto nº 24402
Discussão:
Por
experiência dos autores em encargos periciais, o consentimento informado prévio
dado ao paciente muitas vezes não existe. Este seria o aspecto quantitativo:
dois valores lógicos – ausentes ou presentes.
Já
no aspecto qualitativo, o termo existe concretamente em forma escrita. No
entanto, durante o julgamento, o termo de consentimento passa pela avaliação dos
desembargadores para outros valores lógicos: genérico ou completo.
Nos
cinco casos avaliados pelos autores, houve a produção de prova pericial
favorável aos profissionais de saúde. Na maioria dos casos na área da saúde, a
prova pericial é usada como única e suficiente para o julgamento do feito.
Muito embora, a conclusão favorável da prova pericial, não houve absolvição das
equipes de saúde. Isso chamou a atenção dos autores, que resolveram pesquisar
essa suposta segurança. Ou seja, por consequência lógica: se a prova pericial
fosse favorável, haveria a absolvição.
Houve
a condenação cível nos cinco casos estudados. Em comum, distintas câmaras de
julgamento citaram diretamente o REsp 1540580-DF julgado pelo Superior Tribunal
de Justiça.
Como
condições para a inclusão do julgado na pesquisa: (a) o termo de
consentimento deveria estar presente e deveria ser escrito – então, descartados
casos em que houve explicação vocal por parte dos profissionais de saúde; (b)
a prova pericial deveria ser favorável às equipes de saúde; (c) deveria
haver condenação cível das equipes de saúde; (d) o dispositivo REsp
1540580 deveria ser obrigatoriamente transcrito no acórdão.
Com
os quatro requisitos cumpridos, o feito foi avaliado.
Conclusão.
Embora a prova pericial não tenha
apontado falhas nos procedimentos cirúrgicos, houve condenação cível das
equipes de saúde. A análise do dever da informação coube aos magistrados de 2ª
Grau no TJ-SP, que aplicaram suas interpretações sobre o valor do conteúdo
daquele que supostamente seria o termo de livre consentimento. Dessa
interpretação, condenaram os profissionais de saúde, independentemente das
conclusões do laudo pericial. Ou seja, a prova pericial não foi absoluta/única
na decisão das câmaras de segundo grau, uma vez que nos cinco casos, as provas
periciais apontaram correição dos procedimentos, o que não foi automático para
a absolvição dos profissionais de saúde.
Os magistrados das câmaras
cíveis do TJSP pautuaram pelo julgado do STJ, no qual se emprega o termo
estrangeiro blanket consent. No entanto, o termo não é estritamente
usado em língua inglesa no Tribunal Paulista.
Referências:
Bioética clínica: reflexões e discussões
sobre casos selecionados. / Coordenação de Gabriel Oselka. São Paulo: Conselho
Regional de Medicina do Estado de São Paulo. Centro de
Bioética, 2008.
Inadequate
record keeping by dental practitioners, LF Brown, School of Dentistry, The
University of Queensland, Brisbane. Australian Dental Journal, 2015.
Recent
research into healthcare professions regulation: a rapid evidence assessment; Julie
Browne; Cardiff University, Cardiff Unit for Research and Evaluation in Medical
andDental Education (CUREMeDE), Cardiff, Wales, 2021.
WhatsApp
in Clinical Practice: A Literature Review; Maurice MARS and Richard E SCOTT
Dept of TeleHealth, University of
KwaZulu-Natal, South Africa, NT Consulting - Global e-Health Inc., Calgary, AB,
Canada
Superior Tribunal de Justiça, <www.stj.jus.br>
Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo, <www.tjsp.jus.br>
Nenhum comentário:
Postar um comentário