quinta-feira, 19 de abril de 2018

Setença Judicial com perícia odontológica - Proc. Processo Digital nº:1002503-70.2015.8.26.0286

JOÃO RODOLFO DE CARVALHO CESÁRIO, já devidamente qualificado, propõe Ação de Indenização por Danos Morais em face de ELAINE APARECIDA GODOY PACHECO CALEFFI, também devidamentequalificada, alegando, em síntese, que em 22.05.2014 o autor se submeteu a umacirurgia com a ré para a extração do dente do siso. Durante o procedimento,observou que a ré deixou escapar por diversas vezes o instrumento manuseado e emuma delas sentiu fortes dores em sua garganta, tendo a ré justificado que eramnormais para o procedimento, fazendo nova aplicação de anestesia. O procedimentodurou das 9h às 12h30min. Em razão das fortes dores e da dificuldade em engolir,procurou o Pronto Atendimento da Unimed – Itu. Foi diagnosticado com lesão do palato mole/ lesão boca, ferimento da bochecha e região têmporo-mandibular, o queimplicou na necessidade de realização de sutura cirúrgica. Em razão das dores, nãoconseguiu trabalhar, permanecendo de licença médica por três dias.Requereu a condenação da no pagamento de indenizaçãopor danos morais no valor de R$ 50.000,00, com inversão do ônus da prova e concessão de gratuidade processual.Juntou documentos às fls. 8/36 e 41/52.A decisão de fls. 53/54 concedeu os benefícios da assistência judiciária gratuita ao autor.
Devidamente citada, a ré apresenta contestação às fls.60/79, arguindo, em suma, alertou o autor sobre a inflamação existente em seugrande e sobre a grande dificuldade de remoção, em razão de sua localização e tamanho. Também foi informado que deveria permanecer alguns dias em repouso.No dia do procedimento, o autor estava inquieto e devido a um movimento bruscorealizado por ele houve o deslizamento de um dos equipamentos manuseados pelacontestante, o que resultou em uma pequena incisão não prevista. Após a extraçãodo dente e sutura no local da exodontia, a contestante analisou a necessidade de suturar o local da intercorrência, optando por não fazê-la, pois não haviasangramento. O autor foi medicado e orientado, saindo do consultório sozinho,embora houvesse recomendação para vir acompanhado. Quando retornou ao consultório, o autor lhe disse que havia procurado a Unimed e o local da intercorrência havia sido suturado. A contestante solicitou que ele deixasse ver o local, mas este se negou. Afirma que agiu de forma diligente, observando todos os protocolos odontológicos para o caso. Não houve qualquer modalidade de culpa,inexistindo ato ilícito. Requereu a condenação do autor nas penas da litigância de má-fé, sendo a ação julgada improcedente.Juntou documentos às fls. 80/97.Houve réplica às fls. 101/103.Audiência de tentativa de conciliação de fls. 112/113restou infrutífera.O feito foi saneado, sendo determinada a realização de prova pericial (fls. 119/120).Laudo pericial às fls. 187/217.Realizada audiência de instrução e julgamento, foiouvida uma testemunha arrolada pela ré (fls. 267/268), sendo declarada encerrada a instrução.As partes manifestaram em alegações finais às fls.273/284 e 285/288, reiterando suas assertivas anteriores e pugnando cada qual pelaprocedência e improcedência dos pedidos.É o relatório.Fundamento e DECIDO.
Não foram arguidas preliminares.No mérito, o pedido é parcialmente procedente.O autor contratou os serviços odontológicos da ré, que é habilitada e atua como cirurgiã-dentista, para extração do 3º molar inferioresquerdo, que se apresentava semi-incluso e empurrando outros dentes vizinhos,ocasionando dor e inflamaçãoO autor já era paciente da ré e havia realizado outrasintervenções sem qualquer intercorrência.O procedimento em questão foi agendado para o dia22.05.2014, às 9h, encerrando-se por volta das 12h30min.Durante o ato cirúrgico, houve um deslizamento da alavanca para a parte superior da boca do paciente, acarretando uma incisão nãoprevista.A extração foi concluída com sucesso, tendo a ré optadopor não suturar o local da intercorrência, para que a cicatrização ocorresse de formamais rápida.Realizadas as orientações necessárias e feita a prescriçãodos medicamentos, o autor foi liberado.Em razão das fortes dores, o autor optou por procurar a emergência da Unimed, onde foi atendido em diversas oportunidades:Dia 22.05.2014, às 14h57min (fls. 12);Dia 22.05.2014, às 16h09min (fls. 13);Dia 23.05.2014 – realização de sutura (fls. 14);Dia 24.05.2014, às 23h10min (fls. 15)Dia 25.05.2014, às 13h04min ( fls. 17)No dia 23.05.2014, foi realizada pelo médico Dr. Renatode Paula Schmid, uma sutura no local da lesão provocada no procedimento de extração.O autor não procurou a ré para retorno.Tais fatos são incontroversos
O autor juntou fotografias registradas logo após o procedimento, com imagens do local da extração (fls. 27/36), bem como das lesõese inchaço provocado interna e externamente nos lábios (fls. 21/26).Em audiência de instrução, foi colhido o depoimento da testemunha arrolada pela ré, que trouxe os seguintes esclarecimentos:Lethycia Acosta Brichi (fls. 267/268 – áudio e vídeo)afirmou que trabalhava com a ré na função de recepcionista e auxiliar de dentista.Confirmou que acompanhou o atendimento do autor, mas não tem certeza se ele já havia realizado algum tratamento anterior. Sobre o procedimento cirúrgico, alegouque é complexo, mas correu tudo dentro da normalidade. Durante o procedimento o autor reclamou de dores, mas a ré informou que é comum. O autor deveria terretornado ao consultório para a retirada dos pontos uma semana depois do procedimento, porém não compareceu. Passadas algumas semanas, o autor foi até o consultório e apresentou várias queixas, alegando que recorreu ao prontoatendimento para a realização de suturas. Ele disse que possuía fotografias de suaboca. A ré pediu para tirar fotos, porém este se recusou e não mais retornou.Durante o procedimento, a ré nada disse sobre algo ter saído do normal. Confirmouque durante o procedimento é necessário o uso de força para a extração do dente, de modo que o equipamento usado pode escapar. Entretanto, não foi constatadaqualquer lesão fora do comum no autor. Declarou que o equipamento pode escapardurante as cirurgias.Para constatação da correção da técnica empregada pelaré, dos danos causados ao autor e da verificação da ocorrência de uma dasmodalidades de culpa, foi realizada perícia odontológica por perito da confiança do Juízo.O bem elaborado laudo pericial, da autoria do cirurgião-dentista André Eduardo Amaral Ribeiro, acostado às fls. 187/217 dos autos,analisou todos os aspectos envolvendo a presente lide, desde o planejamento da cirurgia até a consequência das lesões ocorridas.Iniciou afirmando que a ré realizou planejamento da cirurgia de acordo com as normas de Odontologia, sendo o autor avaliadoradiograficamente.Pelas imagens, concluiu que a exodontia realizada, eraclassificada como um procedimento difícil (complexo), pois a raiz mesial do denteera angulada, o que dificultava a exérese em um longo eixo de remoção (fls. 191 e 198).

Durante o procedimento cirúrgico, ocorreram doisacidentes, decorrentes do deslize da alavanca (instrumento odontológico):1) lesão perfurante em região de palato, que o autorentende como garganta, mas que a anatomia vê como"céu da boca" e2) lesão por abrasão no lábio.Embora essas sejam as intercorrências mais comuns emtais procedimentos, concluiu o perito, que houve imperícia da ré no manuseio dosinstrumentos, posto que deveria ter usado a mão esquerda como proteção,trabalhando como anteparo para impedir a perfuração de qualquer tecido vizinho(fls. 192).A técnica padrão não deve causar nenhuma lesão emtecidos moles (fls. 196).O fato do paciente se mostrar agitado e inquieto no diado procedimento deve levar o profissional a ter cuidado redobrado em relação à prevenção de acidentes e ferimentos em tecidos vizinhos ao sítio cirúrgico (fls.194).Em resposta aos quesitos do autor, afirmou que as lesõesdo lábio foram um acidente cirúrgico evitável. A abrasão por afastadores cirúrgicos,fórceps ou alavancas podem sempre ser evitadas (fls. 196).Destacou que dor e edema (inchaço) eram naturalmenteesperados em tal cirurgia, pelo período de uma semana aproximadamente. A prescrição de medicações para dor, inflamação e antibiótico para prevenir eventualinfecção foi correta.Porém, não há nenhuma prova nos autos de que o autorfez uso correto da medicação.Sobre a procura por atendimento emergencial na Unimed, destacou que três médicos foram consultados e todos deram altaambulatorial ao autor, presumindo-se que não havia alterações nos sinais vitais ou qualquer risco à vida que justificasse a retenção do paciente.

Os medicamentos prescritos pela ré foram mantidospelos médicos, não sendo prescrito nenhum outro mais potente.A sutura realizada pelo médico, Dr. Renato, não curou a dor do autor, que afirma ter sofrido por mais três meses.As assertivas de dor intensa e de longa duração feitaspelo autor não encontram amparo na literatura nem na experiência do perito, sendoclassificada como exageradas (fls. 192).Em relação ao procedimento adotado pela ré, que optoupor não suturar o local lesionado, afirmou o perito que a conduta não pode seravaliada como correta ou incorreta, pois é ato privativo do profissional queprocedeu a avaliação do caso, citando literatura que viabiliza os dois procedimentos(fls. 202/203).Portanto, ao final da instrução probatória é possívelconcluir que a ré agiu com imperícia no manuseio dos instrumentos odontológicos,não empregando a técnica adequada para evitar acidentes, o que causou lesões no palato e nos lábios do autor.A dor intensa e o inchaço são normais do procedimento e poderiam se prolongar por até uma semana.Porém, as feridas que se formaram nos lábios do autor e a lesão do palato poderiam e deveriam ser evitadas.Embora haja exagero do autor em relação ao prolongamento da dor (mais de três meses), não há dúvidas que as lesõesdecorrentes dos acidentes com os instrumentos cirúrgicos expandiram a áreaafetada, tornando-a mais sensível e intensificando as consequências normais da extração.O dano moral caracteriza-se pela ofensa injusta a qualquer atributo da pessoa física enquanto indivíduo integrado à sociedade, de caráter extrapatrimonial, cerceando sua liberdade, ferindo sua imagem ou intimidade ou provocando-lhe dor, angústia, sofrimento ou constrangimento. Defato, qualquer violação aos direitos da personalidade vem a justificar a existência de dano moral reparável.Segundo a lição do ilustre Professor Carlos AlbertoBittar, na obra “Reparação civil por danos morais”, RT, 1993, p. 41

“Qualificam-se como morais os danos em razão da esfera da subjetividade, ou do plano valorativo da pessoa na sociedade, em que repercute o fato violador,havendo-se, portanto, como tais aqueles que atingem os aspectos mais íntimos da personalidade humana (o da intimidade e da consideração pessoal) ou o da própriavaloração da pessoa no meio em que vive e atua (o da reputação ou da consideração social).”Diz o art. 186, do Código Civil:Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária,negligência ou imprudência, violar direito e causar danoa outrem, ainda que exclusivamente moral, comete atoilícito.E complementa no art. 927, CC:Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187),causar dano a outrem fica obrigado a repará-lo.Na fixação do valor da indenização por dano moral,convergem-se duas situações: “o caráter punitivo para que o causador do dano se veja castigado pela ofensa que praticou, e o caráter compensatório, para a vítima,que receberá uma soma que lhe proporcione prazeres como contrapartida do malsofrido”.1De acordo com Brebbia, são elementos que devem serlevados em conta na fixação do reparo:“a gravidade objetiva do dano, a personalidade da vítima, a gravidade da falta, a personalidade do autor do ilícito”.2Fixoa indenizaçãopordanomoralno valorcorrespondente a R$3.000,00 (três mil reais), considerando-se o dano sofrido peloautor, a capacidade da ré, bem como o caráter punitivo que deve ter a fixação de indenização.1 PEREIRA, Caio Mário da Silva “Responsabilidade Civil” Ed. Forense Rio 3.ªEdição 1992.2 BREBBIA “El Dano Moral”.

Diante do Exposto e considerando o mais que dos autosconsta,JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido deduzido na inicialpara CONDENAR a ré a pagar ao autor, a importância de R$3.000,00 (três milreais), pelos danos morais causados, que deverá ser corrigido monetariamente de acordo com a Tabela Prática para cálculos fornecida pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado, e acrescida de juros de mora de 1% ao mês, ambosdevidos a partir desta sentença.Dianteda sucumbênciarecíproca,as despesasprocessuais serão igualmente rateadas, arcando cada parte com os honoráriosadvocatícios da parte contrária, que fixo em 10% sobre o valor da condenação,respeitada a gratuidade processual, na forma do parágrafo 3º do artigo 98 do Códigode Processo Civil.Transitada em julgado, abra-se vista à parte credora paraque exiba o cálculo atualizado do débito, intimando-se a parte ré a pagá-lo no prazode 15 (quinze) dias, contados da intimação deste despacho pelo Diário Oficial (art.272 do NCPC), sob pena de multa de 10% (dez por cento) do valor da condenação(art. 523, §1º, Novo Código de Processo Civil).P.R.I, arquivando-se oportunamente.Itu, 19 de abril de 2018

Dor na ATM - Google Groups

Grupos do Google
Participe do grupo Dor na ATM
E-mail:
Visitar este grupo