quarta-feira, 5 de março de 2025

Próteses customizadas na Cirurgia Bucomaxilofacial e cirurgia pré-protética.

 

Próteses customizadas na Cirurgia Bucomaxilofacial e cirurgia pré-protética. Limites entre o ambulatorial e o hospitalar. Advocacia da cópia. Quesitos para perícias judiciais. Próteses customizadas somadas a muitos enxertos. Pular etapas ambulatoriais.

 

Por André Eduardo Amaral Ribeiro[1]

Palavras-chave: quesitos, perícia judicial, odontologia

#quesitos #periciajudicial #odontologia


Ninguém alcançará o sucesso por copiar os outros, disse Pablo Picasso. O pintor odiava pintar quadro clássicos. Ele não copiava outros pintores, embora dominasse perfeitamente a técnica. Pablo Picasso criou o primeiro quadro cubista em 1905. A lenda diz que Picasso teve a ideia ao ver um espelho estilhaçado no chão. A partir daí, começou a estudar a fragmentação ou decomposição das imagens, segunda sua apurada técnica e criatividade infinita. Picasso foi o artista mais rico e o único a conseguir um quadro de um artista vivo, exposto no museu do Louvre.

Infelizmente, cópias de ideias é o que mais vemos na Advocacia – muitas delas ideias péssimas – no meio de advogados que não se conhecem. Uma tendência que cresceu em 2024  no Tribunal de Justiça de São Paulo. E foram as centenas de pedidos e tentativas de se obter uma liminar para se aplicar enxertos ósseos extensos e próteses customizadas em pacientes que tinham dificuldade na retenção de próteses totais ou próteses sobre implantes. Esta é a diferença, no meu entendimento. Em 2019, a epidemia processual eram os implantes zigomáticos, que ninguém sequer lembra hoje.

 

PRÓTESES CUSTOMIZADAS PAGAS PELAS OPERADORAS DE SAÚDE

Sim. Até são possíveis, se os requisitos forem cumpridos. O advogado deve conhecer os requisitos e as tendências.

Considero válido quando muitos tratamentos foram feitos e todas as possibilidades ambulatoriais fossem esgotadas. Por exemplo: o paciente usava próteses totais, depois tentou um protocolo de Branemark, tentou enxertos ósseos em consultório. Após alguns anos, tudo falhou. Esta é a primeira versão dos processos e pedidos de liminares. Essa versão tem lógica, pois os tratamentos foram progressivos. Sempre observo se o paciente pagou por enxertos feitos na cadeira do dentista, quanto tempo se passou e se houve falha. Na literatura[2]:

Protocolo de Branemark: Instalação de Quatro Implantes na Maxila Anterior -- Para o paciente com altura óssea vertical anterior adequada, o plano de tratamento para implantes anteriores para fornecer suporte a uma sobredentadura, quatro implantes devem ser instalados. A instalação de pelo menos quatro implantes é recomendada para uma sobredentadura implantossuportada na maxila, pois menos de quatro implantes superiores previsivelmente não resistirão às forças exercidas neles. Dois implantes são contraindicados para reter uma sobredentadura superior. Radiografias pré-operatórias e um exame físico podem revelar altura e espessura do rebordo alveolar. Quatro implantes na maxila anterior, geralmente combinados com conexões antiestresse verticais instaladas nas porções distais, são utilizados para dar suporte a uma barra rígida. Os implantes maxilares anteriores devem ser instalados dentro dos limites dos bordos da prótese planejada e não vestibular aos bordos dos dentes. Os implantes devem ser instalados para evitar o contato dos dentes na sobredentadura e permitir espaço para confecção da barra das bordas incisais dos dentes inferiores fornece informação importante e evita conflitos de espaço entre os dentes inferiores e a porção palatina da sobredentadura e da barra subjacente. Na cirurgia, o cirurgião deve compreender o plano protético e reconhecer as localizações ideais dos implantes. Geralmente, estes implantes podem ser instalados ligeiramente palatinizados em relação à crista para ancorar-se mais no osso palatino, fornecendo uma largura mais espessa do osso vestibular.

Por outro lado, os advogados forçam a barra quando acreditam que a simples classificação da lide em Direito do Consumidor não os obriga a provar nada. Existe um escritório ridículo em São Paulo que vive desse tipo de demanda. O advogado finge acreditar que a demanda é consumerista e, portanto, não precisa de nenhum tipo de perícia.

Essas falsas equipes tentam fugir das perícias e apostam sempre no julgamento antecipado da lide. E para informá-los (embora eles não ouçam), as câmaras de Direito Privado no TJ-SP reformam as sentenças prolatadas desse modo, sem qualquer perícia. A porcentagem dessas sentenças é de dois por cento, segundo minha experiência. Exceto, quando a prova pericial tem a preclusão determinada, seja por falta de pagamento, seja por outra razão. São raras. Estas falsas equipes de advogados não defendem seu cliente, apenas tentam se desculpar com ele após afirmar que usou um atalho – que se entende como tentar fugir da perícia no Primeiro Grau. Mas a sentença será reformada e remetida para a instância inferior. Na doutrina[3], a interpretação é intencionalmente falsa e sempre se copia em todos os processos do pouco conhecido escritório em São Paulo:

Trata-se da aplicação do art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, segundo o qual pode ser facilitada a defesa dos direitos do consumidor por meio da inversão do ônus da prova, o que fica ao “critério do juiz, quando for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências”. Portanto, tal inversão não é automática, dependendo de circunstâncias concretas que serão apuradas pelo juiz no contexto da facilitação da defesa dos direitos do consumidor. Dentre tais circunstâncias concretas está a piora no estado do paciente, que evidencia a verossimilhança da alegação.

 

A tentativa de burlar a lógica é a de tentar avançar um caso de uma paciente que usa próteses totais sem retenção, por meio de um pedido malfeito a um plano de saúde, que então tenta pedir uma prótese customizada somada com muitos enxertos e com custo de duzentos mil reais. Então, a simples ideia de pular etapas, quando ao verificar a falta de retenção em próteses totais, o passo seguinte seria tentar a melhora dos rebordos com enxertos (em ambulatório), que são procedimentos odontológicos. Outro sofisma desses falsos escritórios.

 

A função do implante é agir como um pilar para um dispositivo protético, similar a raiz e a coroa de um dente natural. O objetivo da Implantodontia é devolver ao paciente desdentado a condição de normalidade no que diz respeito ao contorno facial, conforto, funcionalidade, estética, fala e saúde, independentemente da condição de atrofia existente, doença ou lesão do sistema estomatognático (MISCH, 2008)

O cotidiano do dentista é esse: tentar vencer a falta de rebordos ósseos e conseguir retenção nas próteses totais. Essa etapa é cara e o paciente deve custeá-la. A alegação de que na minha avaliação, não é mais possível melhorar esse rebordo são as justificativas que vemos nos pedidos de cirurgia dirigidos às operadoras de saúde. Os pedidos serão negados pelo auditor individual e pelo profissional desempatador.  Numa conclusão pericial recente:

 

A perícia entendeu que a ideia da cirurgia não seria uma continuação lógica de um tratamento odontológico no qual a autora viesse se submetendo há anos, no qual todas as possibilidades terapêuticas tivessem sido tentadas e todas falhassem.  Pacientes que perderam os dentes são uma das queixas mais comuns do cotidiano da Odontologia. As próteses dentárias em suas muitas modalidades deveriam ser tentadas. Em tese, uma prótese total comum poderia reabilitar o arco superior da autora. Ela sequer tentou essa alternativa de modo que a comprovasse nos autos. Por exemplo: a autora tivesse comprovado que tentou três vezes novas próteses e todas falharam. Não ocorreu por meio de provas. Já o arco inferior, mais difícil, poderia ser melhorado com enxertos ósseos e implantes, para melhorar a retenção de qualquer prótese. A autora não comprovou que tivesse tentado, não comprovou que o tratamento tivesse falhado. O mesmo exemplo do parágrafo anterior pode ser usado. Logo, não se pode pular a etapa odontológica tradicional e aceitar uma cirurgia hospitalar complexa. A autora sequer demonstrou conhecer os riscos da cirurgia que pretende sabe, que são muitos, inclusive o risco de total falha no procedimento. São Paulo, 6 de dezembro de 2024. (assinatura digital, André Eduardo Amaral Ribeiro).

 

E a lista de materiais que o dentista pretendia ver era:

 

uma placa para reconstrução total personalizada fabricada por meio de sinterização por fusão a laser em titânio trabeculado do rebordo alveolar da maxila sob medida, em titânio trabeculado, com tratamento de superfície em SLA para aumento da óssea integração, fabricada por meio de sinterização a LASER (Fabricante CPMH).

vinte e cinco parafusos 2.0 em titânio com tratamento superficial SLA (fabricante CPMH) – para fixação da placa.

três Bio-Oss Collagen com 250mg.

duas membranas absorvíveis dupla camada 25x25mm Bio-Gide para região de Mandíbula (Região inferior).

um dissector para incisões delicadas em mucosa oral, com controle de sangramento pela cauterização dos vasos sanguíneos.

uma lâmina reta reciprocante Stryker.

uma broca esférica para desgastes nas paredes anteriores para melhor adaptação da placa.

duas pontas piezzo, para osteotomias e osteoplastias, minimizando riscos de lesões na mucosa palatina e lesão de vasos sanguíneos.

dois kits de irrigação – para irrigação do motor piezzo durante seu uso – prevenindo superaquecimento.

duas membranas absorvíveis dupla camada 25x25mm Bio-Gide.

um kit de neuromonitorização NeuroSing® (localizador e estimulador neural devido à proximidade do nervo facial e mandibular, evitando-se paresias).

um Probe Monopolar.

quatro Eletrodos agulha dupla.

um eletrodo agulha única.

duas membranas Biotek 50x50 mm.

duas Membranas BioGuide 30 x 40 mm.

dois enxertos Bioss, 2 g, Small.

dois  enxertos em pasta Aktbone com 10 cc.

duas Telas absorvíveis Inion 7 x 7 cm.

trinta parafusos absorvíveis Inion.

dois Endogain 0,3 ml.

um kit com LPRF com dois tubos.

uma ponteira Flush Cut Razek.

 

Só que não deu certo.

 

QUESITOS PARA SUA PERÍCIA EM ODONTOLOGIA

A melhor sugestão que tenho seria apresentar com: (1) um conceito de Odontologia sobre o caso, (2) transcrição de um trecho de obra de referência em Odontologia; (3) um conceito sobre responsabilidade civil.

Quando trabalho como assistente técnico, uso 20% ou 25% dos quesitos relacionados com a responsabilidade civil do dentista. A doutrina do livro acima defende que a obrigação do dentista é contratual ou também conhecida como obrigação de fim. A doutrina não é inflexível, pois entende que existem casos que não se pode aplicar a regra. Já em casos estéticos, a doutrina entende que a obrigação sempre é de finalidade: lentes de contato dentárias, clareamento dental, facetas, próteses em áreas anteriores. Nestes casos, o dentista deve ser perfeito. Na literatura[4] e outra[5]:

Na área da saúde estamos sempre às voltas com o estudo das obrigações de meio e de resultado. Tal estudo merece especial destaque no tema da cirurgia plástica, definida como espécie de cirurgia geral, que tem como finalidade reconstruir, modificar ou embelezar a parte externa do corpo do paciente, podendo ser reparadora ou estética. Entende-se por cirurgia plástica reparadora o procedimento necessário à preservação da integridade física ou da vida do paciente. Sua finalidade é terapêutica. Dá-se como exemplo a correção de queimaduras deformantes. A cirurgia plástica estética não é procedimento necessário. Sua finalidade é embelezadora. Como exemplo, a correção de rugas advindas da idade. Na cirurgia reparadora, por ser terapêutica e necessária, suas obrigações são de meio. Por outro lado, já que a cirurgia plástica estética é eletiva, desnecessária para fins terapêuticos, a conclusão a que se costuma chegar é a de que o médico obriga-se a alcançar o resultado prometido. Para a sua responsabilização, segundo essa corrente de pensamento, basta a prova da ação e de sua ligação com o dano, sem que seja incumbência do lesado demonstrar a culpa do médico.

Então, podemos fazer um paralelo se como a Odontologia fosse a Cirurgia Plástica estética na Medicina. Pense assim, que sempre acertará nas suas argumentações jurídicas, em suas petições iniciais e em seus quesitos, se for o assistente técnico com Odontologia.

Quanto às partes técnicas, cerca de 75% a 80% em teoria científica, sempre acompanhada de um texto de um livro de Odontologia. Veja esse exemplo, que escrevi para uma grande faculdade aqui de São Paulo:

 

Quesito 14- Na literatura[6] odontológica abaixo, a obra traz alguma menção à relação entre anestesia e acidentes vasculares cerebrais?

 

As respostas alérgicas aos anestésicos locais incluem dermatite (comum nos funcionários dos consultórios dentários), broncoespasmo (ataque asmático) e anafilaxia sistêmica. As mais frequentemente encontradas são as reações dermatológicas localizadas. Respostas alérgicas potencialmente letais relacionadas com anestésicos locais são, de fato, raras. A hipersensibilidade aos anestésicos locais do tipo éster — procaína, propoxicaína, benzocaína, tetracaína e compostos relacionados, como penicilina G procaína e procainamida — é muito mais frequente. Os anestésicos locais do tipo amida são essencialmente livres desse risco. Entretanto, relatos de literatura e de questionários de histórias médicas indicam que a suposta alergia aos fármacos do tipo amida parece estar aumentando, embora a avaliação subsequente desses relatos em geral indique casos de superdosagem, idiossincrasia ou reações psicogênicas. A alergia a um anestésico local do grupo amida não impede o uso de outras amidas, porque não ocorre alergenicidade cruzada. Com a alergia aos anestésicos do grupo éster, entretanto, a alergenicidade cruzada ocorre; assim, todos os anestésicos locais do tipo éster são contraindicados quando há história documentada de alergia aos ésteres.

 

Acredito que seguir esses três conceitos será sua melhor estratégia.

Outra questão é a diferenciação entre fatores intrínsecos e fatores extrínsecos, apurados por meio de perícia judicial em Odontologia.

 

São Paulo, 17 de dezembro de 2024

 



[1] Perito judicial em Odontologia, nomeado 282 vezes no TJ-SP, TJ-AL, TRT-15, TJ-PR e TJ-MG.

[2] Atlas Cirúrgico na Implantodontia, Block, 3ª edição, Editora Elsevier, p. 119-120.

 

 

[3] TAVARES, Responsabilidade Civil: responsabilidade civil na área da saúde, coordenadora Regina Beatriz Tavares da Silva.  Segunda edição, São Paulo: Saraiva, 2009. – (Série GV-law).

 

[4] TAVARES, Responsabilidade Civil: responsabilidade civil na área da saúde, coordenadora Regina Beatriz Tavares da Silva.  Segunda edição, São Paulo: Saraiva, 2009. – (Série GV-law), p. 134.

[5] GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 366.

[6] MALAMED, Manual de anestesia local; Stanley F. Malamed; Rio de Janeiro: Elsevier, 2013, p. 328.

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