quarta-feira, 5 de março de 2025

Inteligência artificial e disruptura na Odontologia digital

 

 

Riscos da odontolgia moderna. ataques cibernéticos, pedidos de retirada de prontuários e parecerer vendidos a peso de ouro.

Por André Eduardo Amaral Ribeiro[1]

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Inteligência artificial e disruptura na Odontologia digital

Existe o medo de que a inteligência artificial domine a raça humana no futuro. Talvez seja apenas um roteiro do filme Exterminador do Futuro, no qual o tal SkyNet controla robôs exterminadores, que viajam no tempo e matam humanos que julgam perigosos para o domínio dessses robôs. Foi um filme excelente, até assisti no cinema, com a trilha sonora dos Guns n´Roses. Porém não acreditamos que esse futuro apocalíptico virá e não acreditamos na escravização humana pelas máquinas. Mesmo porque elas dependem da energia elétrica para funcionar. A Odontologia vem sendo ajudada pela tecnologia, em especial nos escaneamentos 3D e nas maravilhosas impressoras para coroas e próteses customizadas.

Quando escrevi este livro, tentei usar uma inteligência artificial para produzir um índice para o livro. O Copilot da Microsoft foi incapaz dessa tarefa. Ele produziu um índice com falhas. Desejava que cada título fosse alinhado com suas páginas. A Inteligência Artificial do Copilot não conseguiu diferenciar os títulos e subtítulos, tampouco conseguiu enumerar a página de cada um. Depois, pedi para o texto ser reescrito com ajuda da inteligência artificial. Ele foi novamente incapaz. Talvez por Odontologia Legal brasileira nunca ter sido incluída nos algoritmos da Microsoft. Fiz do modo tradicional, comparando o título com o número da página. O humano foi superior à máquina. Não duvidamos que sempre o humano será melhor, afinal “A mão humana é ferramenta perfeita”, como já disse Leonardo da Vinci.

A disruptura não virá tão cedo portanto, nós dentistas não seremos substituídos por robôs. Não acreditamos nisso e nem acreditamos que isso seja financeiramente viável. Consideramos apenas as impressoras 3D e os prontuários digitais como disruptivos. Um exemplo de tarefa que inteligência artificial não soube fazer, além de me escrever um simples índice, foi vista durante a pandemia do COVID-19.

Segundo o Professor Vaclav Smil[2], pesquisador renomado do tema de energia:

Mas há ainda a tentativa de alcançar a medicina personalizada (o diagnóstico e o tratamento sob medida para cada indivíduo em seu risco ou resposta específica para uma doença), o que fez a revista The Economist publicar uma reportagem especial sobre o assunto em 12 de março de 2020, quando a COVID-19 começou a se alastrar pela Europa e América do Norte, enchendo os hospitais com pessoas privadas de oxigênio. Qual é a relevância de todas essas buscas quando, como diz o clichê, a única superpotência que restou não conseguiu abastecer seus enfermeiros e médicos com simples equipamentos de proteção pessoal, entre itens de baixa tecnologia como luvas, máscaras, toucas e aventais?

As impressoras 3D para as próteses e coroas não causam dúvidas sobre sua superioridade em relação as mãos humanas. Elas diminuem os erros. São benéficas para reduzir o risco do dentista na prática cotidiana.

No entanto, os prontuários digitais ainda perdem para os clássicos prontuário de papel. O papel é mais fácil de trabalhar no cotidiano do dentista – não são prejudicados com a falta de energia elétrica – e podem receber desenhos do assoalho pulpar, para nos lembrarmos da geometria dos canais na nossa próxima consulta. Particularmente, sempre desenho a configuração da câmara pulpar e a entrada dos canais no prontuário de papel.

Adeptos do prontuário digital reclamam do sequestro de informações quando a empresa do software some com dados dos pacientes se o dentista não pagar a anuidade, impedindo acesso às informações já digitadas. O sistema que usa um odontograma puro, sem a possibilidade escrever livremente no prontuário, perde para o papel. Como exemplo, se um paciente disser que engoliu uma coroa protética, isso deve ser anotado no prontuário. Nem todo o software dá essa liberdade, pois a maioria se resume ao preenchimento dos procedimentos, com a pintura do odontograma nas faces de cada dente, com a legenda. Isso inclui o prontuário do SUS, que falhou em oferecer um espaço para anotações não relacionadas ao tratamento. Pessoalmente, quando o paciente se queixa do atraso, por exemplo, anoto no prontuário.

No livro sobre inteligência artificial - A Próxima Onda, de Mustafá Suleiman e Michael Bhaskar, Editora Record, 2024, p. 203:

Na manhã de 12 de maio de 2017, o Serviço Nacional de Saúde britânico parou. Milhares de suas instalações em toda a nação viram seus sistemas de TI congelarem. Nos hospitais, os funcionários não conseguiam acessar equipamentos médicos cruciais, como aparelhos de ressonância magnética nem prontuários de pacientes. Milhares de procedimentos agendados, de consultas de pacientes com câncer e cirurgias eletivas, tiveram de ser cancelados. Equipes em pânico improvisaram com recursos manuais, como anotações em papel e telefones pessoais. O Royal London Hospital fechou seu departamento de emergências, com os pacientes deitados do lado de fora das salas de cirurgia.

Prontuários de papel não sofrem ataques cibernéticos afinal. Por isso, gostamos deles.

SOLICITAÇÃO DA CÓPIA DO PRONTUÁRIO

Um sinal de alerta de que um processo virá contra o dentista, talvez o mais importante deles. Felizmente, a maioria dos advogados usam uma fórmula desgastada para escrever suas acusações iniciais contra o dentista, a receita do bolo é sempre a mesma: três orçamentos, cópia do prontuário e conversas do WhatsApp.

Sempre orientamos ao dentista nunca ficar se explicando ou se desculpando com o paciente por WhatsApp. A maioria dos advogados usa essas conversas para instruir sua acusação. Portanto, ao receber qualquer mensagem do paciente, não fique se explicado. Diga uma frase: venha para uma consulta. Preciso avaliar ou qualquer outra frase que exija a presença do paciente no consultório. Não prescreva nem mesmo dipirona por WhatsApp. Por comodismo e falta de conhecimento, ficou muito fácil acusar usando prints de telas de aplicativos de mensagens. Digamos que 90% das petições iniciais acusatórias são enfeitadas com prints de Whats App.

Isso porque dá trabalho redigir uma petição com provas técnicas: radiografias, tomografias, textos científicos e uma boa redação. A maioria dos escritórios se recusa a pagar um assistente técnico ou, até mesmo, porque pensa que entende de Odontologia. Algumas petições são ridículas e foram escritas com pesquisas no Google sobre doenças da boca, como por exemplo o bruxismo. O advogado faz uma busca no Google e junta alguns textos sem sentido para formular sua tese de acusação. Tudo ficará fraco e fácil de se rebater, mas nos custará tempo e dinheiro, bens preciosos.

Anotações digitais tem o mesmo valor de anotações em papel. Alguns juristas debatem as diferenças. No entanto, quando um paciente pede uma cópia do prontuário, fica difícil entregá-la quando se usou um prontuário digital. Sempre dissemos que solicitar a cópia do prontuário é o sinônimo de que o paciente ingressará com um pedido de indenização na Justiça. A fórmula nunca falhará, preste atenção a este sinônimo imortal:

Caixa de Texto: Pedir cópia do prontuário = processo judicial pela frente

 

 

É o que a experiência nos tem mostrado. Não conseguimos lembrar de um único caso em que o paciente tenha pedido a cópia apenas porque deseja continuar o tratamento com outro dentista, quer dizer, pediu com bondade.

Maus advogados usam um protocolo errado: pedem a cópia do prontuário e fazem o paciente consultar três dentistas para obter três orçamentos. Chamo isso de processo de funilaria, pois é a fórmula desgastada para um acidente de trânsito. Ninguém se declara culpado, mas existe o costume de pedir três orçamentos em funilarias. Isso não funciona em Odontologia, pois os orçamentos terão tratamentos diferentes. No primeiro, o dentista vai indicar um protocolo; no segundo, o dentista vai indicar implantes individuais; no terceiro, implantes com outra geometria. Portanto, fácil para identificar a qualidade do trabalho do advogado.

PARECER EXTRAJUDICIAL

Outro engano.

O parecer extrajudicial não vale nada em um processo cível. Alguns dentistas cobram para escrever um parecer. O parecer nada vale se for unilateral, sem a participação daquele que será o réu. Uma vez, tentamos escrever um parecer extrajudicial por insistência da advogada. Enviamos uma carta convite para o dentista réu, ele foi instruído por advogados a dizer que não compartilharia o prontuário do paciente, pois era sigiloso. Com razão. Estávamos trabalhando para uma advogada sem experiência no ramo do Direito da Saúde.

É bastante comum nos depararmos com processos cíveis que contenham pareceres de dentistas, escritos sempre de modo unilateral (sem a presença da outra parte). Não conhecemos nenhum caso em que a briga entre dentista-paciente tenha sido resolvida pela via extrajudicial. Gostaríamos que fosse possível, mas na prática vimos que foi inviável, pois não há colaboração de ninguém.

Houve um ano que recebia telefonemas de pessoas me perguntando quanto eu cobraria para escrever um laudo. Na verdade, seria um parecer. E as pessoas se assustavam com a honestidade de recusar o serviço e de informar que o tal parecer não valia nada. No entanto, testemunhamos um caso em São José dos Campos, em que uma cirurgiã bucomaxilofacial cobrou dez salários-mínimos (R$ 14.000,00 em 2022) para escrever um parecer. A autora ganhou a ação, mas o parecer não ajudou em nada.

Na informação que a paciente que pagou pelo parecer extrajudicial era que se ela juntasse um texto de outro dentista condenando a sua cirurgia ortognática (que foi um desastre estético) ela ganharia na Justiça. No fim, o advogado inexperiente dela não pensou no item essencial da falta de termos de consentimento. A mulher foi operada e nunca assinou nenhum termo de consentimento. Percebemos isso ao ler o processo. Ela nos contratou, mas depois nos dispensou, pois a dentista de São José dos Campos disse que não éramos especialistas em Cirurgia Bucomaxilofacial, e portanto, não seríamos aptos para o trabalho. No fim, o termo de consentimento foi fundamental para a sentença judicial condenatória contra o dentista.

 

São Paulo, 2 de fevereiro de 2025

 



[1] Perito judicial no TJSP na área de Odontolgia, com 293 nomeações.

[2] SMIL, Vaclav. Como o mundo funciona, Ed. Intríseca, Rio de Janeiro, 2024, p. 297.

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