Impugnações após o laudo pericial e suas quatro
modalidades
O
lado ruim da perícia judicial: faremos inimigos. Nada demais. Você não acabará
como habitante de um túmulo porque não gostaram do que escrevemos.
Por André Eduardo
Amaral Ribeiro[1],
cirurgião-dentista.
#quesitos
#periciajudicial #odontologia
As
movimentações processuais após a juntada do laudo talvez sejam inúteis para
nosso aprendizado. Se o laudo foi conclusivo – como sempre deve ser – algumas
das partes não gostará da conclusão precisa e apresentará sua contestação
ilógica contra o laudo, a chamada impugnação. Por isso, é essencial apresentar
bons quesitos fundamentados com literatura odontológica na sua primeira
oportunidade. Não confie em apresentar quesitos suplementares – aqueles depois
do laudo – são sempre mais fracos que os antecipados. Tudo no Direito deveria
ser feito com antecipação. Assim, os perdedores apresentarão uma impugnação non
sense e que nada os ajudará a vencer o litígio.
Ambos
os lados terão direito a um manifestarão, por um despacho no qual o juiz abre
um prazo para as partes comentarem o laudo pericial. Uma delas concordará com o
laudo, por ser obviamente favorável. Já o lado contrário irá se irritar, talvez
não saiba perder ou admitir que não apresentou os melhores quesitos
antecipadamente. Poderá baixar o nível do debate e começar a ofender. Vejamos
quais as quatro modalidades de uma impugnação.
Protelatória (1) : a maioria se
apresentará nessa modalidade. O advogado leu que a conclusão está contrária ao
seu cliente e não tem capacidade para impugná-la, seja por não dispor de
argumentos científicos por falta de um assistente técnico; ou talvez, por puro
costume. Existem alguns escritórios que impugnam tudo. Se o juiz manda intimar
uma testemunha para comparecer, o escritório impugna. Se a parte pede um prazo
de dez dias, o escritório argumenta que aquele prazo é nocivo para seu cliente.
Se o juiz determina que haverá perícia, o escritório acha um defeito. Portanto,
atente-se para a modalidade.
A
impugnação protelatória não ajudará nada, apenas deixará o juiz e o perito
cansados. Não dê atenção a essa modalidade, guarde sua energia, responda com
frases curtas e passe para o próximo laudo. Quesitos genéricos retirados do
Google são comuns nesta modalidade.
Tente
rever o laudo e notará que o advogado reclamão não apresentou bons quesitos.
Entenda
que uma maioria de advogados, por coincidência daqueles que estão pior na
profissão, aqueles que generalizam seu fracasso culpando a OAB, o excesso do
advogados no mercado, a baixa remuneração. Repare que estes são sempre os
advogados com pior manifestação escrita em língua portuguesa, também aqueles
com petições redigidas no mais ridículo juridiquês[2]
ou com outros muitos problemas de redação.
Jurídica em si (2): a parte vencida
resolve que irá combater a conclusão pericial desfavorável com argumentos
jurídicos. Na Odontologia, normalmente entrará na questão da responsabilidade
civil ser um contrato de meio, sem a obrigação de atingir um resultado, por
exemplo. Outro modo pode ser que apesar da conclusão ter sido desfavorável
seriam as negativas em aceitar a culpa e a impugnação enveredará por negar a
imprudência, imperícia ou negligência. Até então, faremos parte do jogo. O
perito não deve ter grande preocupação, pois foram questões de direito, que são
de apreciação privativa do juiz de direito. Nestes casos, costumo usar uma
frase pronta: a questão tem interpretação privativa do juiz de direito, não
cabe ao perito. Isso basta para os esclarecimentos periciais.
Ofensas pessoais (3): surgem com
advogados de nível baixo e nervosos. Sempre me lembro de uma frase do filme
Apocalipse Now. O narrador explicou que o soldado de bigodes, um chef de
cozinha de Nova Orlean e sob comando do Capitão Willard (Martin Sheen) era “muito
nervoso para o Vietnã”. Será a justificativa desta impugnação agressiva.
O advogado resmungão é muito nervoso para a enfrentar nossa fase pericial,
ou para o Vietnã, então vai apelar para as gracinhas...afinal, ele precisa se
explicar pelos fracassos de seus quesitos fracos, pois o cliente não gostará do
resultado.
a)
Ataque à formação ou conhecimento acadêmico: O advogado, o
assistente técnico ou ambos irão insultar a pessoa do perito. Vão fugir do
trabalho do perito, por ser complexo, além das capacidades dos dois somadas.
Basicamente, irão atacar a formação acadêmica:
alegarão que o perito não sabe nada, não conhece o assunto e que não tem a
especialidade para trabalhar no caso. Uma resposta boa quando se fala em falta
de especialização, o perito pode argumentar que a parte está errada quando
classificou a perícia como uma perícia em cirurgia bucomaxilofacial ou
Dentística. deverá dizer que toda e qualquer perícia é multidisciplinar.
Por exemplo, contra-argumentar que esta perícia é multidisciplinar pois as
provas vieram por meio de radiografias e tomografias, o que obriga ao
conhecimento de Radiologia Odontológica,
b)
Ataque na honestidade do perito: por meio do
argumento de suspeição. Significa que o perito não foi teoricamente neutro. Ou
ele foi corporativista – agiu em defesa da classe odontológica, ou agiu em
favor de uma das partes porque a conhecia pessoalmente. A melhor resposta sobre
a arguição de suspeição é que a suspeição deve ser arguida imediatamente após a
nomeação. E a parte resmungona deverá apresentar provas. Hoje em dia, essas
provas costumam vir de comentários em redes sociais, telas de WhatsApp e ou de
outros meio eletrônicos.
c)
Ironias: esta é a mais fraca de todas as
impugnações. Testemunhei talvez dois casos em minha vida de perito. A parte que
teve a conclusão pericial desfavorável começará com ironias sobre o perito.
Para o leitor ter uma ideia, um advogado ridículo escreveu que minha passagem
para Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo não traria a vantagens
para o laudo e expôs um raciocínio sem sentido. Obviamente, ele não acreditava
que o argumento iria melhorar as coisas pra ele.
d)
Com segundas intenções: esse é o mais
grave. O advogado xinga o perito e o perito reage. O advogado tinha segundas
intenções, ele quer usar o print do texto reativo do perito para usá-la em
processos futuros contra o perito e arguir a suspeição (item b, acima). Entenda
que o insulto tem como estratégia gerar uma reação sua por escrito. Isso será
usado futuramente para tentar te excluir de futuras perícias. Na minha opinião,
a questão envolveu alguma inveja que o advogado teve do perito, em especial se
o pagamento do perito for um bom valor. O advogado muitas vezes sequer cobrou
adiantado do seu cliente, está revoltado com a decadência de seu trabalho (não
falo que a advocacia está decadente, mas o advogado despreparado e preguiçoso.
Impugnações técnicas ou científicas (4): seria o que
deveríamos esperar numa defesa séria, então seriam aquelas do interesse do
dentista. As partes oporiam teses embasadas em conhecimentos específicos,
sempre com trechos de literatura, para o debate científico. Por isso, sempre
oriento o perito novato que responda seus quesitos com referências
bibliográficas. Lembre-se que mais de três linhas devem seguir as normas e
transcrevê-las. Pessoalmente, sempre transcrevo a fundamentação científica.
Exemplo:
Na literatura[3]:
A estomatite
aftosa recorrente é uma das patologias mais comuns da mucosa oral. A
prevalência relatada na população em geral varia de 5% a 66%, com uma média de
20%. As hipóteses de sua patogênese são numerosas. Tão logo um pesquisador
relate ter descoberto a causa definitiva, um relato subsequente descredencia a
descoberta. Diferentes subgrupos de pacientes parecem ter diferentes causas
para a ocorrência das aftas. Estes fatores sugerem um processo patológico que
pode ser desencadeado por uma variedade de agentes causais, cada um dos quais
sendo capaz de produzir a doença em certos subgrupos de pacientes. Para tornar
mais simples, a causa parece ser “coisas diferentes em pessoas diferentes”.
Apesar de nenhum agente desencadeante ser responsável, a destruição da mucosa
parece representar uma reação imunológica mediada por células T.
Mas a maioria
dos assistentes técnicos não opta por esta modalidade de trabalho.
REFORÇO DE HONORÁRIOS PERICIAIS
Nunca seja um perito
que reclama nos autos, aceite tudo, escreva petições curtas e lembre que se em
um laudo você trabalho demais, isso será pago em um laudo fácil em que trabalhou
pouco. Esse é o melhor raciocínio.
Suponhamos que após
um laudo pericial principal, uma das partes ofereça sessenta quesitos
suplementares. O perito terá que os responder, custará um bom tempo e raramente
mudará a conclusão. Isso nos levará às ideias de que devemos receber por um
trabalho extra. Na prática pericial será chamado de reforço de honorários
periciais. No entanto, não é um pedido facilmente aceito por juízes de direito.
Então, ao calcular
seus honorários, considere que a segunda parte, pós-laudo, poderá vir com esses
sessenta quesitos e que você não poderá cobrar por eles. Um pedido de reforço
de honorário raramente dá certo. Os juízes costumam despachar contra este
pedido e afirmar que o cálculo deveria ter sido feito antecipadamente. No
exemplo: o perito recebeu vinte quesitos antes de iniciar a perícia e cobrou
quatro mil reais como honorários provisórios. Após a entrega do laudo, uma das
partes resolveu se revoltar e apresentar mais sessenta quesitos, ou três vezes
mais do oferecido. Por lógica, o perito poderia pedir mais cinquenta porcento,
ou três mil reais. Infelizmente, esse tipo de pedido costuma ser indeferido
pelos magistrados.
Saiba disso e
conforme-se com essa distorção. Do contrário, poderá o tornar em um perito
resmungão, o que é sinônimo de poucas nomeações.
CLAREZA NA SUA RECOMPENSA
Sugiro
que todo o perito estudo alguma matemática, em destaque para a chamada Teoria
dos Jogos[4].
Uma matéria que estuda as recompensas e caminhos para se chegar a elas. Então,
o perito precisa definir qual a recompensa deseja com seu trabalho pericial.
Defini minhas recompensas como o bom pagamento, mas também com a oportunidade
de escrever, desenvolver minha redação, aprender a diagramar um laudo, aprender
sobre tipografia, conhecer as fontes tipográficas, melhorar minha expressão em
língua portuguesa e por prazer no que faço. Pergunte a si mesmo por que está
tentando a sorte na carreira pericial.
CONCLUSÃO
Portanto,
a fase dos esclarecimentos pode vir disfaçada como uma armadilha do
advogado contra o novato, que induzirá para que o perito o xingue, depois para usar
o texto para opor um incidente de suspeição. As manobras são um absurdo, mas
saiba que ela foi prevista no Código de Processo Civil, nomeada de suspeição e
poderá gerar trabalho futuro sem uma recompensa ao nosso trabalho.
A
suspeição significa que o perito é inimigo do advogado, ou que tem bronca dele.
Isso é fictício se não for provado. Por isso, evite todo tipo de comunicação
por aplicativos com advogados. Eles ficam concentrados em usar um print de uma
conversa para tentar dar a entender que você se indispôs e não gosta dele,
mesmo que nunca tenha o visto na vida. Portanto, fale apenas o essencial:
converse apenas sobre datas de perícias e sobre provas de que devem ser
apresentadas. Do contrário, o incômodo reside nesses prints.
Já
escrevi sobre provas periciais em Odontologia quando a pessoa não apresenta
nenhuma radiografia e tenta substituir provas técnicas por recibos, conversas
de WhatsApp e outras provas sem conteúdo científico.
São Paulo, 30 de
dezembro de 2024
(assinatura digital)
[1] Perito no
Tribunal de Justiça de São Paulo, área da Odontologia, com 283 nomeações até
dezembro de 2024.
[2] Técnica de
escrita com palavras excessivas, bajulação aos juízes de direito, com frases
longas e invertidas e muitos termos difíceis em latim.
[3] NEVILLE, Patologia
oral e maxilofacial, Elsevier, Rio de Janeiro, 2009. p. 332.
[4] PIANEZZER,
Teoria dos Jogos, InterSaberes, São Paulo, 2021.
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