quarta-feira, 5 de março de 2025

Impugnações após o laudo pericial e suas quatro modalidades.

 

Impugnações após o laudo pericial e suas quatro modalidades

 

O lado ruim da perícia judicial: faremos inimigos. Nada demais. Você não acabará como habitante de um túmulo porque não gostaram do que escrevemos.

 

 

 


Por André Eduardo Amaral Ribeiro[1], cirurgião-dentista.

#quesitos #periciajudicial #odontologia

 

As movimentações processuais após a juntada do laudo talvez sejam inúteis para nosso aprendizado. Se o laudo foi conclusivo – como sempre deve ser – algumas das partes não gostará da conclusão precisa e apresentará sua contestação ilógica contra o laudo, a chamada impugnação. Por isso, é essencial apresentar bons quesitos fundamentados com literatura odontológica na sua primeira oportunidade. Não confie em apresentar quesitos suplementares – aqueles depois do laudo – são sempre mais fracos que os antecipados. Tudo no Direito deveria ser feito com antecipação. Assim, os perdedores apresentarão uma impugnação non sense e que nada os ajudará a vencer o litígio.

Ambos os lados terão direito a um manifestarão, por um despacho no qual o juiz abre um prazo para as partes comentarem o laudo pericial. Uma delas concordará com o laudo, por ser obviamente favorável. Já o lado contrário irá se irritar, talvez não saiba perder ou admitir que não apresentou os melhores quesitos antecipadamente. Poderá baixar o nível do debate e começar a ofender. Vejamos quais as quatro modalidades de uma impugnação.

Protelatória (1) : a maioria se apresentará nessa modalidade. O advogado leu que a conclusão está contrária ao seu cliente e não tem capacidade para impugná-la, seja por não dispor de argumentos científicos por falta de um assistente técnico; ou talvez, por puro costume. Existem alguns escritórios que impugnam tudo. Se o juiz manda intimar uma testemunha para comparecer, o escritório impugna. Se a parte pede um prazo de dez dias, o escritório argumenta que aquele prazo é nocivo para seu cliente. Se o juiz determina que haverá perícia, o escritório acha um defeito. Portanto, atente-se para a modalidade.

A impugnação protelatória não ajudará nada, apenas deixará o juiz e o perito cansados. Não dê atenção a essa modalidade, guarde sua energia, responda com frases curtas e passe para o próximo laudo. Quesitos genéricos retirados do Google são comuns nesta modalidade.

Tente rever o laudo e notará que o advogado reclamão não apresentou bons quesitos.

Entenda que uma maioria de advogados, por coincidência daqueles que estão pior na profissão, aqueles que generalizam seu fracasso culpando a OAB, o excesso do advogados no mercado, a baixa remuneração. Repare que estes são sempre os advogados com pior manifestação escrita em língua portuguesa, também aqueles com petições redigidas no mais ridículo juridiquês[2] ou com outros muitos problemas de redação.

Jurídica em si (2): a parte vencida resolve que irá combater a conclusão pericial desfavorável com argumentos jurídicos. Na Odontologia, normalmente entrará na questão da responsabilidade civil ser um contrato de meio, sem a obrigação de atingir um resultado, por exemplo. Outro modo pode ser que apesar da conclusão ter sido desfavorável seriam as negativas em aceitar a culpa e a impugnação enveredará por negar a imprudência, imperícia ou negligência. Até então, faremos parte do jogo. O perito não deve ter grande preocupação, pois foram questões de direito, que são de apreciação privativa do juiz de direito. Nestes casos, costumo usar uma frase pronta: a questão tem interpretação privativa do juiz de direito, não cabe ao perito. Isso basta para os esclarecimentos periciais.

Ofensas pessoais (3): surgem com advogados de nível baixo e nervosos. Sempre me lembro de uma frase do filme Apocalipse Now. O narrador explicou que o soldado de bigodes, um chef de cozinha de Nova Orlean e sob comando do Capitão Willard (Martin Sheen) era “muito nervoso para o Vietnã”. Será a justificativa desta impugnação agressiva. O advogado resmungão é muito nervoso para a enfrentar nossa fase pericial, ou para o Vietnã, então vai apelar para as gracinhas...afinal, ele precisa se explicar pelos fracassos de seus quesitos fracos, pois o cliente não gostará do resultado.

a)      Ataque à formação ou conhecimento acadêmico: O advogado, o assistente técnico ou ambos irão insultar a pessoa do perito. Vão fugir do trabalho do perito, por ser complexo, além das capacidades dos dois somadas.

 Basicamente, irão atacar a formação acadêmica: alegarão que o perito não sabe nada, não conhece o assunto e que não tem a especialidade para trabalhar no caso. Uma resposta boa quando se fala em falta de especialização, o perito pode argumentar que a parte está errada quando classificou a perícia como uma perícia em cirurgia bucomaxilofacial ou Dentística. deverá dizer que toda e qualquer perícia é multidisciplinar. Por exemplo, contra-argumentar que esta perícia é multidisciplinar pois as provas vieram por meio de radiografias e tomografias, o que obriga ao conhecimento de Radiologia Odontológica,

b)      Ataque na honestidade do perito: por meio do argumento de suspeição. Significa que o perito não foi teoricamente neutro. Ou ele foi corporativista – agiu em defesa da classe odontológica, ou agiu em favor de uma das partes porque a conhecia pessoalmente. A melhor resposta sobre a arguição de suspeição é que a suspeição deve ser arguida imediatamente após a nomeação. E a parte resmungona deverá apresentar provas. Hoje em dia, essas provas costumam vir de comentários em redes sociais, telas de WhatsApp e ou de outros meio eletrônicos.

c)      Ironias: esta é a mais fraca de todas as impugnações. Testemunhei talvez dois casos em minha vida de perito. A parte que teve a conclusão pericial desfavorável começará com ironias sobre o perito. Para o leitor ter uma ideia, um advogado ridículo escreveu que minha passagem para Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo não traria a vantagens para o laudo e expôs um raciocínio sem sentido. Obviamente, ele não acreditava que o argumento iria melhorar as coisas pra ele.

d)      Com segundas intenções: esse é o mais grave. O advogado xinga o perito e o perito reage. O advogado tinha segundas intenções, ele quer usar o print do texto reativo do perito para usá-la em processos futuros contra o perito e arguir a suspeição (item b, acima). Entenda que o insulto tem como estratégia gerar uma reação sua por escrito. Isso será usado futuramente para tentar te excluir de futuras perícias. Na minha opinião, a questão envolveu alguma inveja que o advogado teve do perito, em especial se o pagamento do perito for um bom valor. O advogado muitas vezes sequer cobrou adiantado do seu cliente, está revoltado com a decadência de seu trabalho (não falo que a advocacia está decadente, mas o advogado despreparado e preguiçoso.

 

Impugnações técnicas ou científicas (4): seria o que deveríamos esperar numa defesa séria, então seriam aquelas do interesse do dentista. As partes oporiam teses embasadas em conhecimentos específicos, sempre com trechos de literatura, para o debate científico. Por isso, sempre oriento o perito novato que responda seus quesitos com referências bibliográficas. Lembre-se que mais de três linhas devem seguir as normas e transcrevê-las. Pessoalmente, sempre transcrevo a fundamentação científica. Exemplo:

Na literatura[3]:

A estomatite aftosa recorrente é uma das patologias mais comuns da mucosa oral. A prevalência relatada na população em geral varia de 5% a 66%, com uma média de 20%. As hipóteses de sua patogênese são numerosas. Tão logo um pesquisador relate ter descoberto a causa definitiva, um relato subsequente descredencia a descoberta. Diferentes subgrupos de pacientes parecem ter diferentes causas para a ocorrência das aftas. Estes fatores sugerem um processo patológico que pode ser desencadeado por uma variedade de agentes causais, cada um dos quais sendo capaz de produzir a doença em certos subgrupos de pacientes. Para tornar mais simples, a causa parece ser “coisas diferentes em pessoas diferentes”. Apesar de nenhum agente desencadeante ser responsável, a destruição da mucosa parece representar uma reação imunológica mediada por células T.

Mas a maioria dos assistentes técnicos não opta por esta modalidade de trabalho.

 

REFORÇO DE HONORÁRIOS PERICIAIS

 

Nunca seja um perito que reclama nos autos, aceite tudo, escreva petições curtas e lembre que se em um laudo você trabalho demais, isso será pago em um laudo fácil em que trabalhou pouco. Esse é o melhor raciocínio.

Suponhamos que após um laudo pericial principal, uma das partes ofereça sessenta quesitos suplementares. O perito terá que os responder, custará um bom tempo e raramente mudará a conclusão. Isso nos levará às ideias de que devemos receber por um trabalho extra. Na prática pericial será chamado de reforço de honorários periciais. No entanto, não é um pedido facilmente aceito por juízes de direito.

Então, ao calcular seus honorários, considere que a segunda parte, pós-laudo, poderá vir com esses sessenta quesitos e que você não poderá cobrar por eles. Um pedido de reforço de honorário raramente dá certo. Os juízes costumam despachar contra este pedido e afirmar que o cálculo deveria ter sido feito antecipadamente. No exemplo: o perito recebeu vinte quesitos antes de iniciar a perícia e cobrou quatro mil reais como honorários provisórios. Após a entrega do laudo, uma das partes resolveu se revoltar e apresentar mais sessenta quesitos, ou três vezes mais do oferecido. Por lógica, o perito poderia pedir mais cinquenta porcento, ou três mil reais. Infelizmente, esse tipo de pedido costuma ser indeferido pelos magistrados.

Saiba disso e conforme-se com essa distorção. Do contrário, poderá o tornar em um perito resmungão, o que é sinônimo de poucas nomeações.

 

CLAREZA NA SUA RECOMPENSA

Sugiro que todo o perito estudo alguma matemática, em destaque para a chamada Teoria dos Jogos[4]. Uma matéria que estuda as recompensas e caminhos para se chegar a elas. Então, o perito precisa definir qual a recompensa deseja com seu trabalho pericial. Defini minhas recompensas como o bom pagamento, mas também com a oportunidade de escrever, desenvolver minha redação, aprender a diagramar um laudo, aprender sobre tipografia, conhecer as fontes tipográficas, melhorar minha expressão em língua portuguesa e por prazer no que faço. Pergunte a si mesmo por que está tentando a sorte na carreira pericial.

 

CONCLUSÃO

Portanto, a fase dos esclarecimentos pode vir disfaçada como uma armadilha do advogado contra o novato, que induzirá para que o perito o xingue, depois para usar o texto para opor um incidente de suspeição. As manobras são um absurdo, mas saiba que ela foi prevista no Código de Processo Civil, nomeada de suspeição e poderá gerar trabalho futuro sem uma recompensa ao nosso trabalho.

A suspeição significa que o perito é inimigo do advogado, ou que tem bronca dele. Isso é fictício se não for provado. Por isso, evite todo tipo de comunicação por aplicativos com advogados. Eles ficam concentrados em usar um print de uma conversa para tentar dar a entender que você se indispôs e não gosta dele, mesmo que nunca tenha o visto na vida. Portanto, fale apenas o essencial: converse apenas sobre datas de perícias e sobre provas de que devem ser apresentadas. Do contrário, o incômodo reside nesses prints.

Já escrevi sobre provas periciais em Odontologia quando a pessoa não apresenta nenhuma radiografia e tenta substituir provas técnicas por recibos, conversas de WhatsApp e outras provas sem conteúdo científico.

 

São Paulo, 30 de dezembro de 2024

(assinatura digital)

 



[1] Perito no Tribunal de Justiça de São Paulo, área da Odontologia, com 283 nomeações até dezembro de 2024.

[2] Técnica de escrita com palavras excessivas, bajulação aos juízes de direito, com frases longas e invertidas e muitos termos difíceis em latim.

[3] NEVILLE, Patologia oral e maxilofacial, Elsevier, Rio de Janeiro, 2009. p. 332.

 

[4] PIANEZZER, Teoria dos Jogos, InterSaberes, São Paulo, 2021.

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