quarta-feira, 5 de março de 2025

Pedidos de cirurgia hospitalar em Cirurgia Bucomaxilofacial, planos de saúde e recusa de coberturaPedidos de cirurgia hospitalar em Cirurgia Bucomaxilofacial, planos de saúde e recusa de cobertura.

 

Pedidos de cirurgia hospitalar em Cirurgia Bucomaxilofacial, planos de saúde e recusa de cobertura[1][2]. Resolução Normativa 424 da ANS, 2017.

 

Muitos cirurgiões bucomaxilofaciais publicam artigos sobre o tema, com tons críticos aos planos de saúde. Na verdade, eles próprios não pedem de forma completa à operadora. Causam o dano a si próprios por falta de conhecimento. O cirurgião deve entender a relação entre a operadora e bolsa de valores, B3.

 

 

 

Por André Eduardo Amaral Ribeiro, andreamaralribeiro@hotmail.com


A cirurgia hospitalar tem um custo alto, envolve riscos e não aceita margens de erro. As operadoras de saúde, que já se tornaram empresas de capital aberto, elas são negociadas na bolsa de valores aqui no Brasil, na B3, antiga Bovespa, em São Paulo. Muitas delas estão em cotações[3] baixas nos últimos dois anos, ou despencando em valor. Então, entenda que existem interesses em jogo e que muitos investidores estão interessados no binômio corte de custos e apresentação de lucros, naturais do mercado financeiro. Portanto, ninguém ficará surpreso se a cirurgia do seu paciente for negada com argumentos ultrapassados e malfeitos. É dessa forma que funciona e continuará funcionando se o cirurgião bucomaxilofacial não começar a escrever de modo exigente para os direitos contratuais de seus pacientes.

Afinal, seu consultório odontológico também é uma empresa e precisa lucrar. Então, cuide de cada pedido de cirurgia feito, seja claro, seja organizado, arquive todos os seus pedidos anteriores. Aja como um redator, não como um copiador.

Para tanto, vamos começar com o procedimento por detrás da junta odontológica.

 

 

FLUXO DENTRO DA OPERADORA E O PERIGO DO USO DE FORMULÁRIO PRONTOS

O fluxo de um pedido dentro da operadora seguirá três etapas, invariavelmente são elas: a indicação do cirurgião, a avaliação pelo profissional da operadora (quase sempre contrário), o voto do desempatador (chamado de junta odontológica). Então, o CBMF (cirurgião bucomaxilofacial) fará seu pedido, o auditor negará e haverá a necessidade do desempate.  Entenda: o CBMF votou a favor da cirurgia para o seu paciente, o auditor da operadora votará contra. Um a um. Então haverá a necessidade de desempatar o entendimento da pertinência da cirurgia. E entra a figura da junta odontológica[4].

Sugiro que acesse a Resolução Normativa 424 da ANS, de 2017, imprima-a, estude-a e grife as partes importantes com uma caneta marca-texto. A vida do cirurgião bucomaxilofacial será mais difícil sem o conhecimento profundo

A redação do pedido dirigido às operadoras se mostrou insuficiente em mais de 50% dos casos em que trabalhei, pela minha estimativa como perito na Justiça Cível. Digo isso porque vejo 80% desses pedidos sequer foram datados. Se analisarmos cem pedidos dentro de processos cíveis (pedidos de liminares para cirurgia), veremos que o erro pronunciado de falta de data será frequente. Acredito que isso ocorre porque houve o costume de empregar textos pré-formatados, o chamado Control C e Control V. Não consigo imaginar um documento sem data e assinatura do cirurgião. A operadora explorará essas duas falhas do cirurgião.

Portanto, nunca use formulário pré-formatados.

Numerar cada pedido no rodapé também é uma boa ideia, para diferenciar cada um deles. Sempre deixe um e-mail para contato. As juntas de desempate e setores internos de compra usam o e-mail como principal modo de comunicação. Tudo em razão da necessidade das assinaturas digitais, que escrevem as trilhas no final dos documentos. Não conheço tecnologia com profundidade, mas me pareceu que são aqueles sistemas de criptografia.

Um caso concreto: já vi um cirurgião ser responsabilizado por seu erro grave, causado por uso irresponsável do Microsoft Word. Ele usou o pedido de outra paciente, apenas mudou o nome no cabeçalho e entregou para a operadora. O pedido foi negado e, na instrução processual no fórum João Mendes, tive que assinar que o pedido não tinha qualquer coerência, porque era distinto nos procedimentos cirúrgicos. O caso era um pedido de quatro exodontias dos terceiros molares em centro cirúrgico. Por uso de formulário pré-formatado, a operadora recebeu o nome da paciente dos terceiros molares, com um pedido de cirurgia ortognática bimaxilar. Durante a perícia, a paciente me confirmou que estava lá para a exodontia dos terceiros molares, enquanto não fazia a menor ideia de que o pedido dentro do processo estava errado e tratava de uma cirurgia ortognática. No fim, ela teve de pagar R$ 40.000,00 para a operadora e ainda teve que processar o CBMF para que ele a restituísse.

Nem a paciente nem o cirurgião tiveram intenção de fraude. Não houve representação criminal. Veja que tudo isso ocorreu sem má-fé, mas por um erro de uso indevido do Microsoft Word. A reputação do CBMF ficou arranhada, pois ele era professor universitário e tinha uma boa clientela.

 

EXAME PRESENCIAL

Não discuta essa regra, estou aqui para te ajudar. Inicie seu pedido à operadora com a frase: peço o exame presencial de minha paciente. Sempre faça isso.

Para fortalecer o seu pedido, escreva de modo destacado, para que seu paciente seja avaliado presencialmente. Também destaque que deseja receber uma comunicação com a data e local em que seu cliente será avaliado. Essa dica vale ouro, pois se o pedido for negado e ele vier a se transformar um processo judicial, o CBMF terá um argumento forte. Eis que teremos um argumento para anular a avaliação da suposta junta médica ou odontológica.

Os bastidores das juntas são simples. São centenas de pedidos de cirurgia pendentes, que a operadora deseja negar. Alguns colegas auditores acreditam no que fazem ao negar uma cirurgia, seriam como um advogado do diabo. Eles se defendem dizendo que existem fraudes, superfaturamento, acertos com os fornecedores. Em dez anos nessa área, vi dois casos de fraude, que se tornaram inquéritos policiais. Ou seja, a porcentagem é menor que 1% de fraudes configuradas. Então, não há justificativa para defender a posição de auditor do convênio com este argumento. A justificativa honesta seria dizer que precisa do dinheiro, nada mais.

Como os operadores acumulam casos e decidem contra o cliente/paciente – motivados pelo corte de custos – ataque-os onde vai doer: faça-os examinar seu paciente, exija a avaliação presencial. Lembre-se, as operadoras são empresas grandes, com capital aberto. Elas estão na bolsa de valores, um ambiente muito complexo.

 

ENUMERAÇÃO DAS PROVAS

Quando fizer um pedido, dê um número e data para cada exame, por exemplo:

Exame 1: telerradiografia datada em 22 de maio de 2019

Exame 2: ressonância magnética das articulações temporomandibulas datada em 7 de agosto de 2023.

Exame 3: tomografia de crânio datada em 7 de agosto de 2023.

Seja claro e literal. Se não puder fornecer o exame de imagem inteiro, indique um arquivo ou link para que o suposto avaliar possa vê-las. Esta falta de enumeração será um argumento se o pedido for judicializado. Depois que o pedido vira processo cível, os escritórios de advocacia têm um mecanismo quase automático de conduzi-lo, de modo que ficará muito fácil para eles defenderem a operadora. Alguns já usam a inteligência artificial e outros usam mão de obra humana simplificada por rotinas e algoritmos.

 

PARTICIPE DA ESCOLHA DO DESEMPATADOR

Esse é um argumento que poderá ser usado numa ação cível, a falta de oportunidade para a escolha do desempatador. Normalmente, a operadora tem um documento com o nome de quatro profissionais da Cirurgia Bucomaxilofacial. Se o cirurgião ficar calado, eles escolherão um deles, que irá negar sua cirurgia. Não tenho provas, mas acredito que muitos daqueles nomes nestas listas são de profissionais que nem exercem mais a Odontologia ou Cirurgia Bucomaxilofacial.

Se receber um e-mail com sugestão de um desempatador, responda e escolha um nome. Se não receber nada, use isso como argumento junto com seu advogado. Na Resolução 424:

Art. 2º Para fins do disposto nesta Resolução, considera-se:

V – Desempatador: o terceiro membro da junta médica ou odontológica, cuja opinião clínica decidirá a divergência técnico-assistencial, podendo ser profissional médico ou cirurgião-dentista ou os respectivos conselhos profissionais;

Pense que o profissional desempatador pode ganhar dinheiro facilmente se você facilitar o trabalho dele. Portanto, dê muito para seu desempatador, deixe-o cansado, antes que ele te prejudique.

E mais adiante, na resolução com o CBMF deverá conhecer:

Art. 10. A operadora deverá notificar, simultaneamente, o profissional assistente e o beneficiário, ou seu representante legal com documento circunstanciado que deverá conter:

I – a identificação do profissional da operadora responsável pela avaliação do caso;

II – os motivos da divergência técnico-assistencial;

III – a indicação de quatro profissionais para formar a junta, acompanhada de suas qualificações, conforme previsto no Programa de Qualificação dos Prestadores de Serviços na Saúde Suplementar – QUALISS, ou currículo profissional;

IV – a previsão de prazo para a manifestação do profissional assistente;

V – a notificação de que na recusa, intempestividade ou silêncio do profissional assistente quanto à indicação do desempatador para formar a junta, haverá eleição, pela operadora, dentre os indicados, conforme inciso III, do médico ou cirurgião-dentista desempatador;

VI – a informação de que o beneficiário ou o médico assistente deverão apresentar os documentos e exames que fundamentaram a solicitação do procedimento; e

VII – a informação de que a ausência não comunicada do beneficiário, em caso de junta presencial, desobrigará a operadora a cobrir o procedimento solicitado, nos termos do art. 16.

Parágrafo único. A notificação ao beneficiário para dar conhecimento da formação da junta deverá conter as informações previstas neste artigo, descritas em linguagem adequada e clara, inclusive as relacionadas ao disposto nos incisos V, VI e VII do caput, observado o disposto no art. 5º.

 

AS FRAUDES EM OPME REALMENTE EXISTEM?

Já fui entusiasmado com a busca de fraudes nos OPMEs, mas depois de muita pesquisa, encontrei pouca matéria. Conversei com promotores de justiça no fórum da Barra Funda, na esperança de que me dessem um documento inédito de investigação, mas eles não tinham informações novas. Eu pensava em um texto que pretendia escrever, uma promotora de Justiça (Dra. RM) me disse o oposto “André, você tem algum material, alguma suspeita para nos ajudar?”. Nenhum de nós dois tinha nada. Então, as fraudes com OPME não estão ocorrendo em todos os hospitais, ao mesmo tempo, em todos os Estados do Brasil. Elas existem, mas são raras. Não sonhe.

Uma vez, escrevi sobre isso num laudo de perícia minha, o juiz de direito do fórum regional do Tatuapé me advertiu que estava extrapolando minha função. No fim, não consegui escrever sobre o tema e esse juiz me riscou do cadastro do fórum. Hoje, já fiz as pazes com este juiz, que me chamou recentemente para um processo e permitiu meus honorários bem pagos. Agradeço, Dr. RP.

 

DEFESAS SÃO PROTOCOLOLARES. A CATEGORIA ESPECIAL

Resumirei o que vi nos últimos dez anos.

Boa parte das defesas de escritórios de advocacia se referem a uma reportagem do programa da Rede Globo, Fantástico, que foi ao ar em 2018. Também citam uma reportagem A máfia das próteses FONTE: Folha de S.Paulo – 19 de janeiro de 2015. Toda classe tem profissionais dos quais se orgulha e outros que renega. A grande maioria dos médicos brasileiros não tolera marginais no seu seio, de Carlos Vital Tavares Corrêa Lima. Se lhe interessar pesquisar sobre o tema, aqui está um link de uma compilação[5] que fiz há alguns anos, quando ainda estava entusiasmado com o tema. Hoje, não acredito que haja muito o que pesquisar.

Quando houver um OPME caro num pedido de cirurgia, a tarefa passa a um advogado da área e ele oferecerá uma defesa automática (aquela que já foi usada em muitos processos anteriores, com relativo sucesso, como se fosse uma franquia).

Sempre vão citar a Máfia das Próteses e o CBMF vai se sentir ofendido em ver seu nome supostamente ligado a essa história antiga. Para um advogado experiente, será muito fácil escrever a defesa quando sua cirurgia custará mais de R$ 200.000,00. Na atualidade de novembro de 2024, qualquer processo que peça uma prótese customizada de mandíbula entrará nessa categoria especial, vamos chamá-la assim.

Veja essa decisão de um juiz do fórum da Lapa, São Paulo:

Havendo a indicação médica e dos materiais, não cabe à requerida discutir com o consumidor isso. E argumentar que a questão se reporta a escolha dos materiais piora a questão, pois se coloca em processo junto ao consumidor (o qual nem sabe e nem é perito quanto aos materiais, e possui o direito de ser atendido) problema que, em achando a operadora, deve discutir em ambiente próprio, se possível, contra quem indicou, e isso ainda também é muito  controverso, pois deve ter em mente que apenas demonstração inequívoca de fraude é que lhe poderá garantir a discussão. Nesse ponto, pode sim o profissional pedir um material de melhor qualidade, ou a vida do consumidor não vale?

Diante disso, por se pretender produzir prova totalmente desnecessária e fora do contexto daquilo que se pode discutir com o consumidor, o que revela via oblíqua de discussão não imputável ao consumidor, e sendo o dever do juiz indeferir provas inúteis, indefiro a prova pericial pretendida pela ré, bem como todas as demais que se reportem à necessidade de demonstração do uso do procedimento ou materiais, ressalvando-se o acima exposto.

Concordo com ele integralmente.

 

A MENTE DO DESEMPATADOR

Trabalhei com um dentista que atuava como desempatador. Ele estudou comigo na faculdade. Lembro-me de que ele tinha ideias ultrapassadas em razão de sua obsessão por encontrar uma fraude nos OPME (órteses, próteses, materiais especiais), mas para achar uma fraude, ele teria de trabalhar muito e calcular – usar o Excel – o que ele não gostava. Quase sempre, as escusas para rejeitar o pedido são encontradas em interpretações distorcidas do Colégio de Cirurgia Bucomaxilofacial, Parâmetros e recomendações para procedimentos bucomaxilofaciais do Colégio Brasileiro de Cirurgia Bucomaxilofacial, Ênfase em OPME.

Texto

Descrição gerada automaticamente com confiança média

Conhecer esse documento e a edição de 2023 são obrigatórios para o CBMF. No entanto, elas não são absolutas. Você tem o direito e o dever de conduzir sua cirurgia como for melhor para o seu paciente. Arquive esses parâmetros e ganhe o costume de consultá-lo e citá-lo quando pedir uma cirurgia. Eu discordo de muita coisa nesse documento, mas concordo com uma boa parte.

O trabalho de combate às fraudes é muito interessante[6]. Pessoalmente, já gostei de fazer isso. Por outro lado, não tínhamos muito material para estudar[7]. Visitei a biblioteca do Ministério Público na Rua Riachuelo, 115 em São Paulo, conversei com promotores de Justiça e conclui que não seria possível reunir material suficiente para escrever nem sessenta páginas sobre o assunto.

Portanto, 90% do trabalho de combate às fraudes é juntar dados de processos e organizá-los. Então, um bom auditor é aquele que juntou muitos dados e os têm organizados. Comparar o caso atual com outros já passados (mesmo que sejam de outros auditores) é a coluna vertebral do trabalho de auditoria de fraudes. Se encontrar uma fraude, terá de escrever um relatório com números e depois entregar para um advogado ou promotora de Justiça. Esse é o caminho para representar criminalmente com o fraudador. E assino que as fraudes são poucas e estão se reduzindo por causa da tecnologia. Mesmo que descubra uma grande fraude, dificilmente ficará famoso com isso.

Se quiser ler algo interessante sobre fraudes, busque o nome do auditor de Wall Street, Harry Markopoulos. Esse homem é um auditor-nato. Ele fareja uma fraude e foi o primeiro a suspeitar do esquema das pirâmides daquele investidor Bernie Madoff, que arruinou a vida de milhares de famílias com suas tramoias financeiras. Esse livro não existe em português.

 

Texto

Descrição gerada automaticamente

 

 

Esqueça a vida de investigador de fraudes e concentre-se em escrever um bom pedido para a operadora da saúde com estes requisitos: (1) data; (2) pedido de exame presencial; (3) presença na escolha do desempatador; (4) enumeração clara das provas.

Acho que esta é a melhor dica que posso dar. Faça seu consultório movimentar dinheiro e procedimentos, por isso, pense repetidamente no que aconselhei acima.

São Paulo, 2 de novembro de 2024

 

André Eduardo Amaral Ribeiro

 

 

 

 



[1] André Eduardo Amaral Ribeiro, perito no Tribunal de Justiça de São Paulo desde 2014.

[2] Nomeado 277 vezes até novembro de 2024 na área da Odontologia, em varas cíveis do Brasil.

[3] Pessoalmente, vejo as ações operadoras de saúde como ativos péssimos dentro da bolsa de valores. Não pretende comprar nenhuma participação nelas no cenário de novembro de 2024. Acredito que teremos empresas quebradas em dois anos. É minha análise. Não conheço nenhuma tese de investimento que contemple investir em operadoras de saúde no Brasil, digo, das teses oferecidas por muitos consultores – eles sequer citam o setor de saúde.

[4] Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, Resolução Normativa – RN N.º 424, DE 26 DE JUNHO DE 2017.

[6] GLADWELL, Malcolm. Falando com Estranhos, Editora Sextante, 2019

[7] Lembre-se que conversar com estranhos é uma arte. E um livro muito bom, best-seller, de um escritor presente nas redes sociais vai te ensinar a fazer isso, Malcolm Gladwell.

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