Pedidos de cirurgia hospitalar em Cirurgia
Bucomaxilofacial, planos de saúde e recusa de cobertura[1][2].
Resolução Normativa 424 da ANS, 2017.
Muitos
cirurgiões bucomaxilofaciais publicam artigos sobre o tema, com tons críticos
aos planos de saúde. Na verdade, eles próprios não pedem de forma completa à
operadora. Causam o dano a si próprios por falta de conhecimento. O cirurgião
deve entender a relação entre a operadora e bolsa de valores, B3.
Por André Eduardo Amaral Ribeiro, andreamaralribeiro@hotmail.com
A cirurgia
hospitalar tem um custo alto, envolve riscos e não aceita margens de erro. As
operadoras de saúde, que já se tornaram empresas de capital aberto, elas são
negociadas na bolsa de valores aqui no Brasil, na B3, antiga Bovespa, em São
Paulo. Muitas delas estão em cotações[3]
baixas nos últimos dois anos, ou despencando em valor. Então, entenda que
existem interesses em jogo e que muitos investidores estão interessados no
binômio corte de custos e apresentação de lucros, naturais do mercado
financeiro. Portanto, ninguém ficará surpreso se a cirurgia do seu paciente for
negada com argumentos ultrapassados e malfeitos. É dessa forma que funciona e
continuará funcionando se o cirurgião bucomaxilofacial não começar a escrever
de modo exigente para os direitos contratuais de seus pacientes.
Afinal, seu
consultório odontológico também é uma empresa e precisa lucrar. Então, cuide de
cada pedido de cirurgia feito, seja claro, seja organizado, arquive todos os
seus pedidos anteriores. Aja como um redator, não como um copiador.
Para
tanto, vamos começar com o procedimento por detrás da junta odontológica.
FLUXO DENTRO DA OPERADORA E O PERIGO DO USO DE
FORMULÁRIO PRONTOS
O fluxo de
um pedido dentro da operadora seguirá três etapas, invariavelmente são elas: a
indicação do cirurgião, a avaliação pelo profissional da operadora (quase
sempre contrário), o voto do desempatador (chamado de junta odontológica).
Então, o CBMF (cirurgião bucomaxilofacial) fará seu pedido, o auditor negará e haverá
a necessidade do desempate. Entenda: o
CBMF votou a favor da cirurgia para o seu paciente, o auditor da operadora
votará contra. Um a um. Então haverá a necessidade de desempatar o entendimento
da pertinência da cirurgia. E entra a figura da junta odontológica[4].
Sugiro que
acesse a Resolução Normativa 424 da ANS, de 2017, imprima-a, estude-a e grife
as partes importantes com uma caneta marca-texto. A vida do cirurgião
bucomaxilofacial será mais difícil sem o conhecimento profundo
A redação
do pedido dirigido às operadoras se mostrou insuficiente em mais de 50% dos
casos em que trabalhei, pela minha estimativa como perito na Justiça Cível.
Digo isso porque vejo 80% desses pedidos sequer foram datados. Se
analisarmos cem pedidos dentro de processos cíveis (pedidos de liminares para
cirurgia), veremos que o erro pronunciado de falta de data será frequente.
Acredito que isso ocorre porque houve o costume de empregar textos
pré-formatados, o chamado Control C e Control V. Não consigo imaginar um
documento sem data e assinatura do cirurgião. A operadora explorará essas duas
falhas do cirurgião.
Portanto, nunca
use formulário pré-formatados.
Numerar
cada pedido no rodapé também é uma boa ideia, para diferenciar cada um deles.
Sempre deixe um e-mail para contato. As juntas de desempate e setores
internos de compra usam o e-mail como principal modo de comunicação. Tudo
em razão da necessidade das assinaturas digitais, que escrevem as trilhas no
final dos documentos. Não conheço tecnologia com profundidade, mas me
pareceu que são aqueles sistemas de criptografia.
Um caso
concreto: já vi um cirurgião ser responsabilizado por seu erro grave, causado
por uso irresponsável do Microsoft Word. Ele usou o pedido de outra paciente, apenas
mudou o nome no cabeçalho e entregou para a operadora. O pedido foi negado
e, na instrução processual no fórum João Mendes, tive que assinar que o pedido
não tinha qualquer coerência, porque era distinto nos procedimentos
cirúrgicos. O caso era um pedido de quatro exodontias dos terceiros molares
em centro cirúrgico. Por uso de formulário pré-formatado, a operadora recebeu o
nome da paciente dos terceiros molares, com um pedido de cirurgia ortognática
bimaxilar. Durante a perícia, a paciente me confirmou que estava lá para a
exodontia dos terceiros molares, enquanto não fazia a menor ideia de que o
pedido dentro do processo estava errado e tratava de uma cirurgia ortognática.
No fim, ela teve de pagar R$ 40.000,00 para a operadora e ainda teve que
processar o CBMF para que ele a restituísse.
Nem a
paciente nem o cirurgião tiveram intenção de fraude. Não houve representação
criminal. Veja que tudo isso ocorreu sem má-fé, mas por um erro de uso
indevido do Microsoft Word. A reputação do CBMF ficou arranhada, pois ele
era professor universitário e tinha uma boa clientela.
EXAME PRESENCIAL
Não
discuta essa regra, estou aqui para te ajudar. Inicie seu pedido à operadora
com a frase: peço o exame presencial de minha paciente. Sempre faça
isso.
Para
fortalecer o seu pedido, escreva de modo destacado, para que seu paciente seja
avaliado presencialmente. Também destaque que deseja receber uma comunicação com
a data e local em que seu cliente será avaliado. Essa dica vale ouro, pois se o
pedido for negado e ele vier a se transformar um processo judicial, o CBMF terá
um argumento forte. Eis que teremos um argumento para anular a avaliação da
suposta junta médica ou odontológica.
Os
bastidores das juntas são simples. São centenas de pedidos de cirurgia
pendentes, que a operadora deseja negar. Alguns colegas auditores acreditam no
que fazem ao negar uma cirurgia, seriam como um advogado do diabo. Eles se
defendem dizendo que existem fraudes, superfaturamento, acertos com os
fornecedores. Em dez anos nessa área, vi dois casos de fraude, que se tornaram inquéritos
policiais. Ou seja, a porcentagem é menor que 1% de fraudes configuradas.
Então, não há justificativa para defender a posição de auditor do convênio
com este argumento. A justificativa honesta seria dizer que precisa do
dinheiro, nada mais.
Como os
operadores acumulam casos e decidem contra o cliente/paciente – motivados pelo corte
de custos – ataque-os onde vai doer: faça-os examinar seu paciente, exija a
avaliação presencial. Lembre-se, as operadoras são empresas grandes, com
capital aberto. Elas estão na bolsa de valores, um ambiente muito complexo.
ENUMERAÇÃO DAS PROVAS
Quando
fizer um pedido, dê um número e data para cada exame, por exemplo:
Exame 1: telerradiografia datada em 22 de maio
de 2019
Exame 2: ressonância magnética das articulações
temporomandibulas datada em 7 de agosto de 2023.
Exame 3: tomografia de crânio datada em 7 de
agosto de 2023.
Seja claro
e literal. Se não puder fornecer o exame de imagem inteiro, indique um arquivo
ou link para que o suposto avaliar possa vê-las. Esta falta de enumeração será
um argumento se o pedido for judicializado. Depois que o pedido vira processo
cível, os escritórios de advocacia têm um mecanismo quase automático de
conduzi-lo, de modo que ficará muito fácil para eles defenderem a operadora.
Alguns já usam a inteligência artificial e outros usam mão de obra humana
simplificada por rotinas e algoritmos.
PARTICIPE DA ESCOLHA DO DESEMPATADOR
Esse é um
argumento que poderá ser usado numa ação cível, a falta de oportunidade para a
escolha do desempatador. Normalmente, a operadora tem um documento com o nome
de quatro profissionais da Cirurgia Bucomaxilofacial. Se o cirurgião ficar
calado, eles escolherão um deles, que irá negar sua cirurgia. Não tenho provas,
mas acredito que muitos daqueles nomes nestas listas são de profissionais que
nem exercem mais a Odontologia ou Cirurgia Bucomaxilofacial.
Se receber
um e-mail com sugestão de um desempatador, responda e escolha um nome. Se não
receber nada, use isso como argumento junto com seu advogado. Na Resolução 424:
Art. 2º Para fins do disposto nesta Resolução,
considera-se:
V – Desempatador: o terceiro membro da
junta médica ou odontológica, cuja opinião clínica decidirá a divergência
técnico-assistencial, podendo ser profissional médico ou cirurgião-dentista ou
os respectivos conselhos profissionais;
Pense que o
profissional desempatador pode ganhar dinheiro facilmente se você facilitar o
trabalho dele. Portanto, dê muito para seu desempatador, deixe-o
cansado, antes que ele te prejudique.
E mais adiante, na
resolução com o CBMF deverá conhecer:
Art. 10. A operadora deverá notificar, simultaneamente, o profissional
assistente e o beneficiário, ou seu representante legal com documento
circunstanciado que deverá conter:
I – a identificação do profissional da operadora responsável pela
avaliação do caso;
II – os motivos da divergência técnico-assistencial;
III – a indicação de quatro profissionais para formar a junta,
acompanhada de suas qualificações, conforme previsto no Programa de
Qualificação dos Prestadores de Serviços na Saúde Suplementar – QUALISS, ou
currículo profissional;
IV – a previsão de prazo para a manifestação do profissional assistente;
V – a notificação de que na recusa, intempestividade ou silêncio do
profissional assistente quanto à indicação do desempatador para formar a junta,
haverá eleição, pela operadora, dentre os indicados, conforme inciso III, do
médico ou cirurgião-dentista desempatador;
VI – a informação de que o beneficiário ou o médico assistente deverão
apresentar os documentos e exames que fundamentaram a solicitação do
procedimento; e
VII – a informação de que a ausência não comunicada do beneficiário, em
caso de junta presencial, desobrigará a operadora a cobrir o procedimento
solicitado, nos termos do art. 16.
Parágrafo único. A notificação ao beneficiário para dar conhecimento da
formação da junta deverá conter as informações previstas neste artigo,
descritas em linguagem adequada e clara, inclusive as relacionadas ao disposto
nos incisos V, VI e VII do caput, observado o disposto no art. 5º.
AS FRAUDES EM OPME REALMENTE EXISTEM?
Já fui entusiasmado
com a busca de fraudes nos OPMEs, mas depois de muita pesquisa, encontrei pouca
matéria. Conversei com promotores de justiça no fórum da Barra Funda, na
esperança de que me dessem um documento inédito de investigação, mas eles não
tinham informações novas. Eu pensava em um texto que pretendia escrever, uma
promotora de Justiça (Dra. RM) me disse o oposto “André, você tem algum
material, alguma suspeita para nos ajudar?”. Nenhum de nós dois tinha nada.
Então, as fraudes com OPME não estão ocorrendo em todos os hospitais, ao mesmo
tempo, em todos os Estados do Brasil. Elas existem, mas são raras. Não sonhe.
Uma vez, escrevi
sobre isso num laudo de perícia minha, o juiz de direito do fórum regional do
Tatuapé me advertiu que estava extrapolando minha função. No fim, não consegui
escrever sobre o tema e esse juiz me riscou do cadastro do fórum. Hoje, já fiz
as pazes com este juiz, que me chamou recentemente para um processo e permitiu
meus honorários bem pagos. Agradeço, Dr. RP.
DEFESAS SÃO PROTOCOLOLARES. A CATEGORIA
ESPECIAL
Resumirei o que vi
nos últimos dez anos.
Boa parte das defesas
de escritórios de advocacia se referem a uma reportagem do programa da Rede
Globo, Fantástico, que foi ao ar em 2018. Também citam uma reportagem A
máfia das próteses FONTE: Folha de S.Paulo – 19 de janeiro de 2015. Toda classe
tem profissionais dos quais se orgulha e outros que renega. A grande maioria
dos médicos brasileiros não tolera marginais no seu seio, de Carlos Vital
Tavares Corrêa Lima. Se lhe interessar pesquisar sobre o tema, aqui está um
link de uma compilação[5]
que fiz há alguns anos, quando ainda estava entusiasmado com o tema. Hoje, não
acredito que haja muito o que pesquisar.
Quando houver um OPME
caro num pedido de cirurgia, a tarefa passa a um advogado da área e ele oferecerá
uma defesa automática (aquela que já foi usada em muitos processos
anteriores, com relativo sucesso, como se fosse uma franquia).
Sempre vão citar a
Máfia das Próteses e o CBMF vai se sentir ofendido em ver seu nome supostamente
ligado a essa história antiga. Para um advogado experiente, será muito fácil
escrever a defesa quando sua cirurgia custará mais de R$ 200.000,00. Na
atualidade de novembro de 2024, qualquer processo que peça uma prótese
customizada de mandíbula entrará nessa categoria especial, vamos
chamá-la assim.
Veja essa decisão de
um juiz do fórum da Lapa, São Paulo:
Havendo a indicação médica e dos
materiais, não cabe à requerida discutir com o consumidor isso. E argumentar
que a questão se reporta a escolha dos materiais piora a questão, pois se
coloca em processo junto ao consumidor (o qual nem sabe e nem é perito quanto
aos materiais, e possui o direito de ser atendido) problema que, em achando a
operadora, deve discutir em ambiente próprio, se possível, contra quem indicou,
e isso ainda também é muito controverso,
pois deve ter em mente que apenas demonstração inequívoca de fraude é que lhe
poderá garantir a discussão. Nesse ponto, pode sim o profissional pedir um
material de melhor qualidade, ou a vida do consumidor não vale?
Diante disso, por se pretender produzir
prova totalmente desnecessária e fora do contexto daquilo que se pode discutir
com o consumidor, o que revela via oblíqua de discussão não imputável ao
consumidor, e sendo o dever do juiz indeferir provas inúteis, indefiro a prova
pericial pretendida pela ré, bem como todas as demais que se reportem à
necessidade de demonstração do uso do procedimento ou materiais, ressalvando-se
o acima exposto.
Concordo com ele
integralmente.
A MENTE DO DESEMPATADOR
Trabalhei com um
dentista que atuava como desempatador. Ele estudou comigo na faculdade. Lembro-me
de que ele tinha ideias ultrapassadas em razão de sua obsessão por encontrar
uma fraude nos OPME (órteses, próteses, materiais especiais), mas para achar
uma fraude, ele teria de trabalhar muito e calcular – usar o Excel – o que ele
não gostava. Quase sempre, as escusas para rejeitar o pedido são encontradas em
interpretações distorcidas do Colégio de Cirurgia Bucomaxilofacial, Parâmetros
e recomendações para procedimentos bucomaxilofaciais do Colégio Brasileiro de
Cirurgia Bucomaxilofacial, Ênfase em OPME.
Conhecer esse
documento e a edição de 2023 são obrigatórios para o CBMF. No entanto, elas não
são absolutas. Você tem o direito e o dever de conduzir sua cirurgia como for
melhor para o seu paciente. Arquive esses parâmetros e ganhe o costume de
consultá-lo e citá-lo quando pedir uma cirurgia. Eu discordo de muita coisa
nesse documento, mas concordo com uma boa parte.
O trabalho de combate
às fraudes é muito interessante[6].
Pessoalmente, já gostei de fazer isso. Por outro lado, não tínhamos muito
material para estudar[7]. Visitei
a biblioteca do Ministério Público na Rua Riachuelo, 115 em São Paulo,
conversei com promotores de Justiça e conclui que não seria possível reunir
material suficiente para escrever nem sessenta páginas sobre o assunto.
Portanto, 90% do
trabalho de combate às fraudes é juntar dados de processos e
organizá-los. Então, um bom auditor é aquele que juntou muitos dados e os têm
organizados. Comparar o caso atual com outros já passados (mesmo que sejam de
outros auditores) é a coluna vertebral do trabalho de auditoria de fraudes.
Se encontrar uma fraude, terá de escrever um relatório com números e depois
entregar para um advogado ou promotora de Justiça. Esse é o caminho para
representar criminalmente com o fraudador. E assino que as fraudes são poucas e
estão se reduzindo por causa da tecnologia. Mesmo que descubra uma grande
fraude, dificilmente ficará famoso com isso.
Se quiser ler algo
interessante sobre fraudes, busque o nome do auditor de Wall Street, Harry
Markopoulos. Esse homem é um auditor-nato. Ele fareja uma fraude e foi o
primeiro a suspeitar do esquema das pirâmides daquele investidor Bernie Madoff,
que arruinou a vida de milhares de famílias com suas tramoias financeiras. Esse
livro não existe em português.
Esqueça a
vida de investigador de fraudes e concentre-se em escrever um bom pedido para a
operadora da saúde com estes requisitos: (1) data; (2) pedido de exame
presencial; (3) presença na escolha do desempatador; (4) enumeração clara das
provas.
Acho que
esta é a melhor dica que posso dar. Faça seu consultório movimentar dinheiro e
procedimentos, por isso, pense repetidamente no que aconselhei acima.
São Paulo,
2 de novembro de 2024
André
Eduardo Amaral Ribeiro
[1] André
Eduardo Amaral Ribeiro, perito no Tribunal de Justiça de São Paulo desde 2014.
[2] Nomeado 277
vezes até novembro de 2024 na área da Odontologia, em varas cíveis do Brasil.
[3]
Pessoalmente, vejo as ações operadoras de saúde como ativos péssimos dentro da
bolsa de valores. Não pretende comprar nenhuma participação nelas no cenário de
novembro de 2024. Acredito que teremos empresas quebradas em dois anos. É minha
análise. Não conheço nenhuma tese de investimento que contemple investir em
operadoras de saúde no Brasil, digo, das teses oferecidas por muitos
consultores – eles sequer citam o setor de saúde.
[4] Agência Nacional de
Saúde Suplementar – ANS,
Resolução Normativa – RN N.º 424, DE 26 DE JUNHO DE 2017.
[6] GLADWELL,
Malcolm. Falando com Estranhos, Editora Sextante, 2019
[7] Lembre-se
que conversar com estranhos é uma arte. E um livro muito bom, best-seller, de
um escritor presente nas redes sociais vai te ensinar a fazer isso, Malcolm
Gladwell.